Muito pouco podemos acrescentar sobre The Last of Us, a grandiosa obra da Naughty Dog, vencedora de inúmeros prémios e aclamada dentro e fora da indústria dos videojogos, isto porque muito recentemente também emergiu como uma grande série de sucesso de televisão na HBO. Contudo, esta vai ser a primeira vez que a história de Ellie e Joel vai visitar uma nova -porém familiar- casa, pois passaram-se sensivelmente 10 anos desde o lançamento original de The Last of Us, e só agora recebeu lançamento no PC, um acontecimento impensável anos atrás, que só foi possível nesta altura devido à Sony Interactive Entertainment continuar a apostar nesta nova plataforma para o lançamento dos seus jogos feitos “em casa”.

É sabido que The Last of Us, revisitou todas as consolas PlayStation desde o seu lançamento original em 2013 na PlayStation 3. Após jogar a sua segunda parte, ou seja, The Last of Us Parte II em 2020 na PlayStation 4, que senti um efeito estranho neste regresso intitulado The Last of Us Parte I. Embora os jogos partilhem personagens e narrativa, parecem ser dois jogos radicalmente diferentes até porque as suas mensagens e temáticas são também bem distintas. Mesmo que The Last of Us tenha recebido “Parte I” no seu título para o ligar com a sua segunda parte, o jogo continua a ter o seu tom original. The Last of Us Parte I, não narra uma história de dualidades sobre quem está certo ou errado, mas sim um conto de sobrevivência e esperança. Por isso não deixou de ser interessante revistar a primeira aventura, não digo de cara totalmente lavada, porque a mesma deambula num limbo entre remake e remaster.

A história de The Last of Us Parte I abre com uma versão condensada do primeiro episódio da série da HBO. Certo dia o mundo ficou infetado pelo Cordycepts, um fungo que se apoderou dos cérebro dos humanos e os transformou em criaturas sedentas de sangue. Curiosamente o jogo adicionou elementos da adaptação para TV, ou seja, referiu que o vírus se propagou devido ao consumo de farinha. Após um evento que conduziu à maior perda de Joel, o mundo salta 20 anos para a frente e começa o verão onde este se vai reunir com Ellie, uma impulsiva e desbocada criança de 14 anos. The Last of Us recebeu lançamento num período bastante caricato porque por essa altura o mundo vivia infetado com obras sobre zombies. Embora séries como The Walking Dead, ou jogos como Left 4 Dead 2 e Resident Evil continuassem a ser produtos populares, o mercado começava a ficar saturado com esta temática. Foi precisamente nesta ressaca que The Last of Us recebeu lançamento. Mas então como um jogo com temáticas saturadas recebeu tantas aclamações? A resposta está no seu próprio afastamento.

The Last of Us Parte I, ao contrário de todas as obras anteriores não faz dos zombies o seu mote, mas sim as suas personagens. Isto porque o jogo apenas utiliza os mortos vivos como elemento narrativo. Por um lado, observamos como é construída a relação entre os dois protagonistas: um sobrevivente que perdeu quem mais amava e uma menina que nunca viveu o mundo antes da catástrofe. Numa camada mais profunda, o jogo pode ser uma reinterpretação moderna de A Estrada um conto de Cormac McCarthy, que narra a história de pai e filho enquanto viajam num mundo pós-apocalíptico onde os seres humanos se tornaram canibais para sobreviver. A história de Joel e Ellie debruça-se sobre as mesmas temáticas. O objetivo dos jogadores é essencialmente o mesmo, levar Ellie através dos últimos escombros dos Estados Unidos numa viagem sob condições do mais adverso possível!

Desde Manhattan até Utah assistimos ao fim da humanidade como a conhecemos. Metrópoles outrora movimentadas deram lugar a apartamentos vazios onde famílias já partilharam momentos e histórias. Nestas localizações a natureza emergiu e banhou arranha-céus castanhos com tons de verde. É precisamente nesta dualidade de espaços que assistimos ao belo em The Last of Us Parte I. O silêncio nas ruas, apartamentos decadentes rodeados de longas cataratas e campos verdejantes criam um ambiente no mínimo emblemático que contradiz com a violência visceral não só de infetados pelo Cordycepts como por grupos sem escrúpulos como os Fireflies ou a F.E.D.R.A. O jogador é mergulhado entre os dois e por isso sentimos que existe sempre uma ameaça constante ao virar de cada esquina.

É durante estes extremos que o melhor de The Last of Us Parte I realmente emerge. A construção deste mundo é excecional. Não só no computo visual, mas na forma como cada uma das personagens foi escrita e inserida no mesmo, existindo também uma narrativa imersa em cada um dos escombros do antigo mundo que pode ser encontrada em cartas escritas por sobreviventes ou em grafittis dispersos nas ruas. Gradualmente também assistimos a uma maior aproximação dos protagonistas que no final remete a uma relação entre pai e filha não só pelo que viveram, mas também pelo testemunho do belo e do cruel de uma realidade banhada por personagens incrivelmente bem escritas e emotivas.

Para sobreviver Joel e Ellie têm de se unir, sendo que para proteger a criança, Joel deve explorar cada canto e recanto em busca de armamento, mantimentos, e recorrer às suas armas ou técnicas de furtividade. Os poucos humanos que restam estão armados até aos dentes, e os infetados atacam furiosamente sem escrúpulos. Como pode uma dupla tão improvável prosperar? A resposta muitas vezes está na furtividade. Isto porque cada inimigo requer uma abordagem ou situação diferente. Ao passo que nos inimigos humanos causar barulho pode ser uma ferramenta valiosa para os distrair e atacar pelas costas, nos infetados é algo a evitar especialmente contra os infetados “Clickers” que são cegos e reagem ao mínimo som causado pelo jogador, quando todos elementos estão misturados o jogador tem outras ferramentas ao seu dispor, uma audição apurada e um alarme sonoro que cresce de intensidade à medida que o perigo se aproxima.

The Last of Us Parte I conta com imensas melhorias, sendo a I.A inimiga uma destas. Nesta versão os inimigos flanqueiam-nos de uma forma muito mais inteligente, possuem uma pontaria mais apurada, e comunicam uns com os outros para desenvolverem táticas. Os infetados também estão mais resistentes e com um instinto mais primitivo. Algumas mecânicas da sua continuação, tais como o jogador se esconder na relva infelizmente não transitaram para a sua prequela. Acredito que ao implementar tais elementos muitas situações e mapas teriam de ser refeitos de raiz. Mesmo assim é uma pena, porque o esconder na relva foi um dos meios de furtividade a que mais recorri em The Last of Us Parte II. Contudo, não deixou de ser fascinante sentir novamente a responsabilidade de que cada bala conte, ou evitar utilizar excessivamente um taco de basebol com pregos para causar danos nos inimigos. Ambos podem significar a diferença entre ficar vivo ou morto sob as condições mais adversas. Para acompanhar a estranha satisfação de causar dano, as animações e danos nos inimigos foram refeitas sendo agora muito mais viscerais e sangrentas.

Desde o aproximar por trás e tomar um inimigo como escudo humano -com Clickers é do mais gratificante-, esfaqueá-lo ou sufocá-lo, disparar de uma posição segura, lutar com unhas e dentes ou até fugir quando não existe outra opção. Cada encontro está repleto de oportunidades, e muitos podem ser evitados. Para complementar este clima de sobrevivência, além de recolhermos e fabricarmos armas com durabilidade limitada, a Parte I herdou da Parte II as bancadas de trabalho. Através destas o jogador pode modificar armas brancas ou de fogo ao recolher peças espalhadas pelo mundo. As animações durantes estas atualizações estão excecionais, podemos ver como Joel limpa o canhão, muda o carregador e a culatra, ou ajusta as armas e o seu peso com as ferramentas dispersas pelas bancadas. Muito suavemente nestes momentos também podemos assistir a um elemento narrativo, visto que Ellie em The Last of Us Parte II implementa as suas atualizações da mesma forma -ao contrário de Abby- o que indica que foi Joel quem a ensinou a modificar armamento. The Last of Us Parte I inclui o DLC “Left Behind” que complementa a história original e a de Ellie, mas em troca foi retirado o modo multiplayer.

Não obstante ao seu requinte narrativo e visual, The Last of Us Parte I nunca deixou de ser um jogo controverso. Quando recebeu lançamento originalmente na PlayStation 5 foi criticado por muitos jogadores por ter um preço muito elevado pelo que oferecia, e no PC (Steam e Epic Games Store) está a ser bombardeado por críticas duríssimas sobre o seu desempenho na plataforma. No entanto, segundo o que apurei, o problema deve-se a dois grandes fatores. Pelo que tenho constatado, as placas gráficas da série NVIDIA GeForce RTX 3000 ou AMD RADEON RX 6600/6700 vão envelhecer muito mal devido ao facto de estarem munidas com 10 ou menos unidades de Vram. Além de problemas com o Remake de Resident Evil 4 os jogadores reportaram erros de desempenho e “memory leaks” semelhantes na aventura de Joel e Ellie. Isto acontece porque os seus componentes gráficos não estão munidos com a Vram exigida para resoluções ou efeitos visuais elevados. Agora faz todo o sentido que o jogo em “Ultra” exija uma placa gráfica com pelo menos 16GB de Vram, e porque muitos alegam que o CPU esteja sempre ao máximo enquanto jogam, visto que está incessantemente a decompilar os shaders.

Tal como a sua anterior port –Uncharted: Coleção Legado dos Ladrões– a Iron Galaxy resolveu compactar os seus shaders. Grande parte dos problemas relatados além de serem devido à pouca pool disponível de Vram para resoluções e efeitos visuais exigentes, também se devem ao tempo que a primeira utilização do jogo necessita para que todos os shaders sejam descompactados. Este este é um efeito que demora imenso tempo. No meu caso o processo demorou cerca de 1h30m, durante este período é possível jogar (podemos ter erros e inconsistências visuais), mas não toquei em nada. Simplesmente deixei o jogo no menu inicial a descompactar os shaders necessários, ainda mais quando reparei que o load da placa gráfica estava quase no máximo numa imagem pouco exigente para ser renderizada. Por isso se forem pacientes quando lançam o jogo pela primeira vez serão recompensados com melhor desempenho e menos problemas.

Assim que terminou pude jogar o jogo com todos os elementos ativos na sua plenitude visual máxima ao recorrer às tecnologias de “Upsampling” NVIDIA DLSS 2.4 ou AMD FSR 2.2 entre 110 a 120 fotogramas por segundo sem erros, sem inconsistências visuais ou outros problemas relatados. Sem recorrer a estas tecnologias consegui executar o jogo em resoluções 4K nativas entre 74 a 85 fotogramas por segundo na minha build composta por um processador AMD Ryzen 9 5950X, uma placa gráfica NVIDIA GeForce RTX 4090 MSI Suprim X e 64 GB RAM a 3600 MHz. Contudo, quando passei o jogo para a Steam Deck constatei que este é praticamente impossível de ser jogado nesta fase. Não só tive imensos problemas de desempenho como o próprio aparelho reiniciava.

Na minha ótica esta port está muito acima da anterior. Além de 4 “Presets” gráficos (Baixo, Médio, Alto e Ultra) também dispõe de dezenas de opções visuais agrupadas em categorias tais como “Qualidade das Animações”, “Definição das Texturas”, “Definição da Iluminação”, “Definições de Reflexos”, “Definição de Sombreamento”, “Definições Pós Efeitos” e “Definições de Efeitos Visuais”. A pensar no perfil dos jogadores, cada opção gráfica não só é acompanhada por uma breve descrição do seu efeito como a sua taxação nos componentes de sistema, um efeito apreciado quer por entusiastas ou recém-chegados ao PC. Quanto ao pacote visual propriamente dito deambula entre o remaster e o remake. Enquanto existem personagens ou situações extremamente realistas, também existem momentos onde sentimos a herança da PlayStation 3 e das suas texturas, especialmente no anti-aliasing. O mesmo não podemos dizer das animações das personagens especialmente as faciais que continuam a impressionar imenso mesmo decorridos 10 anos.

No restante cômputo técnico o jogo conta com áudio em 3D, dezenas de opções de acessibilidade, e 25 idiomas totalmente localizados onde constam o Português de Portugal e o Português do Brasil. Também tem suporte para rato e teclado e para comandos DualSense com todas as suas capacidades hápticas. Foi impressionante sentir a resistência dos gatilhos do comando quando utilizei um arco para disparar uma flecha, ou sentir a vibração a percorrer o comando como se fossem ligaduras a envolver um braço. Claro que mais uma vez sublinho que para desfrutarem desta imersão devem estar em posse de um Comando DualSense, ou DualSense Edge e ligarem-no a uma porta USB do vosso computador.

The Last of Us Parte I, é um dos mais emocionantes jogos de sempre. A história de Joel e Ellie por uma América devastada é do melhor que já experienciei em qualquer plataforma. O jogo demonstra na sua plenitude o que é um ser humano, e quais as condicionantes que nos levam a agir e a manter a esperança quanto esta praticamente já não existe. Infelizmente a falta de informação, os recursos técnicos, e a própria impaciência dos jogadores voltaram a inundar uma verdadeira obra de arte em controvérsia. Mas será necessário voltarem a jogar após assistirem à série da HBO? A resposta é sim, porque não só temos um mergulho mais profundo como esta vai ser uma lenda eternamente contada independentemente de media.

Bruno Reis
Vindo de vários mundos e projetos, juntou-se à redação do Otakupt em 2020, pronto para informar todos os leitores com a sua experiência nas várias áreas da cultura alternativa. Assistiu de perto ao nascimento dos videojogos em Portugal até à sua atualidade, devora tudo o que seja japonês (menos a gastronomia), mas é também adepto de grandes histórias e personagens sejam essas produzidas em qualquer parte do globo terrestre.
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