Um dos maiores equívocos no entretenimento é a imagem dos povos nativos americanos nos “media”. Ao longo dos tempos, foram geralmente associados a vilões, visto que desde os westerns clássicos foi instalada uma mentalidade de “maus da fita”. Contudo, não nos podemos esquecer que estes apenas defendiam as suas terras e famílias dos invasores, e os media tendem a suavizar ou até omitir este importante parágrafo. É com base nesta filosofia reversa que os Game-Labs, um estúdio ucraniano composto por apenas quatro pessoas desenvolveu um dos projetos “indie” mais ambiciosos da atualidade, esteve em acesso antecipado na Steam há largos anos, condecorado com inúmeros prémios inclusive o “jogo indie de 2019”.

A noite será um dos nossos maiores aliados

This Land is my Land, além de se tratar de uma popular canção de Woody Guthrie, também é um videojogo onde encarnamos um chefe de uma tribo indígena que planeia reclamar as suas terras dos colonos que as invadiram. Logo no começo da aventura somos apresentados três modos de jogo que além de introduzirem diversas dificuldades também oferecem formas de jogar totalmente distintas. O “Classic”, como o nome nos indica planeia replicar os jogos de ação modernos dando também uma especial atenção à furtividade. O modo ”Immersive”, mergulha os jogadores numa experiência de sobrevivência sem paralelo em jogos de mundo aberto. Isto porque a nossa personagem além de tentar sobreviver às investidas dos seus invasores, também tem de se alimentar, saciar a sua sede e até curar as suas feridas e doenças. Segundo os Game-Labs este é o melhor modo para desfrutarmos de This Land is My Land. Para quem deseja levar a imersão para outros patamares, ainda tem ao seu dispor o modo “Custom“, que remove todas as “hubs” do jogo, bosses, mas adiciona noites mais prolongadas e inimigos ainda mais ferozes.

Independentemente o modo escolhido somos introduzidos a uma escolha de animais que são o perfil e estáticas que desejamos para a nossa personagem. Desde uma lontra a uma serpente, cada um dispõe de características, como a força, a velocidade, capacidade de carga e furtividade. Após um salvamento do chefe da sua tribo de um comboio em fuga podemos finalmente dar literalmente os primeiros passos para reclamar as nossas terras. Quando damos os primeiros passos não exageramos, pois, apenas dispomos de uma tenda, uma fogueira e três membros da nossa tribo. Para iniciar a nossa rebelião primeiro será necessário criar um arco e flecha dos ramos das árvores nas proximidades, enviar a nossa tribo para recolher mantimentos, e até batizar o nosso cavalo. São nestes momentos que assistimos às primeiras barreiras que podem desviar as atenções de algumas camadas de jogadores. This Land is my Land, é extremamente complexo num mau sentido. O jogo envereda entre uma aventura na terceira pessoa, e um jogo de estratégia semelhante ao Risco. Além de inúmeros menus para um sem fim de ações tais como criar itens, ou enviar tropas, os mesmos não são nada intuitivos e a troco da imersão, o jogador tem de se precaver com o que recolhe e amealha porque vai introduzir peso extra na sua personagem chegando mesmo a permanecer imóvel devido a um peso excessivo.

Os Game-Labs convidam os jogadores a enveredarem pelo modo imersivo

This Land is my Land, também conta com uma componente multiplayer muito interessante, mas que infelizmente nesta fase pré-lançamento ainda não pôde ser totalmente explorada. Tal como Death Stranding, a galardoada aventura de Hideo Kojima, o mundo do jogo também é mutável. As ações dos jogadores moldam a nossa experiência. Numa das missões fomos convocados a aliar-nos a um grupo de outros jogadores para vingar uma morte de outro jogador que foi brutalmente assassinado pelos nossos invasores. Aliámo-nos a um grupo e recebemos a missão de intimidar um chefe de uma fazenda que sabia da localização do responsável por este crime bárbaro. Nesta fase o jogo enveredou por uma experiência muito próxima de Metal Gear Solid V: The Phantom Pain, onde também invadimos uma base em busca de respostas. Porém, depressa nos apercebemos que tudo em This Land is my Land, tem uma consequência, e perante uma investida falhada, são retirados alguns itens, e as atenções dos nossos adversários são redobradas chegando mesmo a enviar mais guardas para impedir uma nova invasão nas suas bases.

Como os Games-Labs são extremamente vocais e estão atentos aos desejos dos seus consumidores, pedimos veementemente a marcação da figura que queremos intimidar entre o resto dos outros adversários, -alguns com nomes bem familiares e hilariantes- não sabemos ao certo até chegarmos perto dos mesmos e se os matamos ao invés de intimidar, perdermos horas, a tentar descobrir novas pistas que podem ir desde uma nova intimidação de outras figuras de escalão superior, à leitura de cartas espalhadas pela base.

O jogo retrata com mestria como os nativos americanos conseguiram persistir nas suas terras. Além de invadirmos as bases com arcos e flecha e reunir grupos, também podemos montar armadilhas, organizar e saquear comboios, causar discórdia entre o grupo de inimigos e até envenenar as refeições dos guardas. Como se não fosse bastante, os jogadores podem atear fogo à base ou tentar salvar os seus companheiros capturados pelos guardas. Contudo, se algum destes morrerem na fuga, não existem segundas oportunidades. Claro que reunir companheiros é a melhor via para aumentar as nossas tropas e consequentemente o nosso território, mas perante o seu risco tem de ser uma atitude muito ponderada. Ao longo da nossa reconquista e através de todas as ações que realizamos recolhemos “SP” que pode ser usado para aprender e desenvolver novos atributos, e a aquisição de novas armas como machados ou lanças.

This Land is my Land além de contar com uma vertente multiplayer bastante interessante também nos meteu a par da atualidade

Contudo, a vertente mais violenta de This Land is my Land é complemente fragmentada devido ao “Karma” da nossa personagem. Como já dissemos anteriormente, cada ação tem uma consequência, e se formos demasiado cruéis com os nossos adversários, poderemos perder oportunidades de comércio, aliados que não se querem juntar à resistência e uma maior hostilidade por todos, incluindo animais selvagens. Isto porque o jogo não consegue encontrar um equilíbrio. Se formos demasiado brandos com os nossos invasores também arrecadamos com consequências. Os nossos terrenos e progresso não aumentarão, até mesmo matar animais como alimento introduz “Karma” negativo por estarmos a destruir o ecossistema. Pensamos que os Game-labs tentaram criar uma ideia de punição para quem viola a atitude passiva dos povos nativos americanos, contudo o jogo obriga o jogador a ser um índio violento para sobreviver, daí que o conceito nesta fase não funciona como devido.

Os menus são demasiado congestionados e confusos para o jogador comum

Tecnicamente This Land is my Land, apresenta um grafismo impressionante para uma equipa de apenas quatro membros. As suas florestas são densas, apresentam bom detalhe, e todos os cenários são dotados de uma enorme beleza natural. O jogo também apresenta interessantes fenómenos atmosféricos, ciclos de dia, e texturas detalhadas de paisagens e modelos de personagens. Contudo, certas animações de personagens podiam ser mais trabalhadas e sentimos que estão um tanto datadas. Na nossa configuração com todos os efeitos visuais elevados ao máximo e resolução a 4K, o jogo correu sem contratempos ou inconstâncias sem descer dos seus 120 fotogramas como foi estabelecido. Sem surpresas todo o áudio é composto por melodias calmas muito características dos povos nativos da América, onde as flautas são o principal destaque.

This Land is my Land, é uma aventura em mundo aberto que terá de dividir o seu terreno com o célebre “simulador” viking Valheim, o novo colosso da Amazon Games, New World, e um sem fim de outras aventuras em mundo aberto. Nesta fase ainda muito prematura não só precisa amadurecer para se equiparar aos outros produtos no mercado como encontrar o seu próprio equilíbrio e simplificar os vários elementos e jogabilidade que dispõe. No entanto, por se tratar de uma aventura com um conceito original e revelar que o conceito de bem ou de mal são acima de tudo perspetivas situacionais, pode encontrar um lugar ao sol no mercado. Se mergulharem a fundo nesta conquista podem crer que o relógio pode atingir muito rapidamente os três ou até quatro dígitos de horas a defenderem as vossas terras. 

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Prós e Contras de This Land is my land:

+ Conceito diferente e original
+ Inúmeros elementos de sobrevivência
+ Experiência imersiva e mutável
+ Grafismo impressionante pelos recursos que dispõe
– Menus complexos e confusos
– Mecânica de Kama requer especial atenção
– Animações de personagens
– Por apresentar muita gestão pode afastar os jogadores mais comuns

Bruno Reis
Vindo de vários mundos e projetos, juntou-se à redação do Otakupt em 2020, pronto para informar todos os leitores com a sua experiência nas várias áreas da cultura alternativa. Assistiu de perto ao nascimento dos videojogos em Portugal até à sua atualidade, devora tudo o que seja japonês (menos a gastronomia), mas é também adepto de grandes histórias e personagens sejam essas produzidas em qualquer parte do globo terrestre.
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