São poucas as séries de jogos que conseguem atingir o estatuto de “lendárias” mas Tomb Raider é sem sombra de dúvida uma delas. Apesar da trilogia original estar disponível no PC e nas consolas no seu lançamento, sempre senti Lara Croft como uma espécie de mascote da PlayStation Original, porque era comum assistir à exploradora junto de ícones da consola como Cloud Strife de Final Fantasy VII, Solid Snake de Metal Gear Solid e Crash Bandicoot em posters publicitários. Contudo, Lara Croft gradualmente saiu do espectro dos videojogos e do próprio Tomb Raider, devido ao seu imenso sex-appeal e o seu nome começou a ser visto como uma espécie de marca registada. Temos até jogos que passaram a incluir o seu nome como subtítulo e, gradualmente, a aventureira que troca festas dos jet7 por uma expedição a uma ruína antiga saiu dos videojogos para surgir em comics, filmes e até ser a primeira mulher poligonal a surgir na capa da revista Playboy. Embora tenha passado por imensas reinvenções, a Lara de blusa verde clara, duas pistolas, botas e calções castanhos criada pelos génios da Core Design é a favorita da maioria e numa altura onde a sensual discípula de Werner Von Croy festeja quase 30 anos, a Crystal Dynamics aliou-se à Aspyr para transitar as primeiras três aventuras de Lara para PC e Consolas modernas, vejamos se a intrépida exploradora continua viva e de boa saúde.

Confesso que escrever a crítica de Tomb Raider I-II-III Remastered foi uma das mais complicadas para mim até à data. Como vivi a minha adolescência nos anos 90 e acompanhei a menina Lara em todo o tipo de expedições e porque joguei e completei todos os jogos da série Tomb Raider na PlayStation Original, senti um pouco de dificuldade em apreciar este trio modernizado. Antes de mais, quero referir que não estou a denegrir os jogos originais, pelo contrário. O impacto que o primeiro jogo teve na indústria em 1996 foi tão grande que ainda se sente e as continuações foram igualmente bem recebidas como um desenvolvimento natural. Não me interpretem mal, esta coleção remasterizada embeleza e acrescenta funcionalidades em todo o trio para manter a sensação original, contudo, como tenta ser demasiado fiel senti que a Lara original já tem varizes nas pernas de tanto explorar túmulos.

Não tenho dúvidas que a Aspyr tentou transitar o melhor que pôde a Lara clássica robótica para a era moderna, mas certas coisas por mais que queiramos estão barradas por limitações temporais. Em Tomb Raider I-II-III Remastered os jogadores podem optar por jogar os três jogos com os controlos originais “tank” ou com um esquema mais moderno, porém senti que ambos não são agradáveis por diversas razões. Manter os controlos “tank” originais da PlayStation não foi controverso, pelo contrário, foi uma forma de respeito pelo legado e pelos seus fãs.

É impossível não sentir calafrios nestes menus

Contudo, penso que as físicas poderiam ser revistas e melhor trabalhadas, se bem que não sei se é devido ao facto de estar habituado a controlos mais modernos e uma menor latência dos mesmos, acreditem, tive mesmo que dedicar imensos minutos para conseguir caminhar minimamente em segurança, ou embaraçadamente, não conseguir subir uma saliência ou recolher um estojo de primeiros socorros porque a Sra. Croft estava afastada a milímetros do mesmo. No entanto, pensava que era possível suavizar estes problemas antigos com os controlos modernos, mas infelizmente não foi o caso porque como já foi dito, estes jogos foram relíquias do seu tempo e requeria imenso esforço para os implementar devidamente. Para começar, independentemente do esquema, senti que controlar Lara foi incrivelmente “pesado”, porque as físicas próprias do jogo ainda não tinham sido implementadas com um manípulo esquerdo analógico em mente. Também existe um sério problema de comandos neste esquema de botões. Devido à ausência de analógicos, nos jogos Tomb Raider clássicos era necessário recorrer a um botão para olhar para cenário ou até caminhar. Como sabemos na era moderna este efeito é inexistente através da adição de sensibilidade nos analógico e um manipulo direito para controlar a visão da personagem e câmara. Embora seja possível caminhar com Lara da forma clássica, ou seja, manter um botão dedicado para esse efeito, os jogadores vão ter sérios problemas a realizar o tradicional backdash de Lara quando antes de um salto de pé salta para trás e respira fundo na esperança de se agarrar numa saliência durante o mergulho.

De momento, este movimento só é possível se a Lara se equipar com uma arma como as suas fiéis duas pistolas por exemplo. O problema é que é inútil pelo menos com um comando, porque o botão de ação não regista o comando de disparo, testei este esquema com com rato e teclado e funciona, julgo que o jogo não foi testado devidamente com comandos como o Dual Sense, visto que outros movimentos tais como agarrar uma superfície para sair de um rio ou subir uma saliência ao nível da cintura de Lara também não são registados com o comando com o controlo moderno. Em suma, nesta fase com um comando é impossível controlar Lara com o esquema moderno, daí que os jogadores vão ser obrigados a jogar como se fosse, literalmente, 1996.

O modelo de Lara e os efeitos de luz são os melhores registos visuais desta trilogia que regressa de cara lavada

O mesmo efeito pouco trabalhado também se sente na estética do jogo. Enquanto a nova aparência é bastante agradável, nenhum dos três jogos parece “moderno” o suficiente devido a um misto de texturas. O modelo de personagem criado para a Lara Croft está muito, mas mesmo muito semelhante aos citados das campanhas publicitárias, o que por si só representa uma melhoria considerável ao jogo, o mesmo posso dizer das sombras e luzes. Infelizmente não podemos dizer o mesmo dos outros elementos dado que as outras personagens e texturas receberam pouco polimento.

As mesmas parecerem oriundas de umas gerações atrás porque foram redesenhadas a partir das animações da era das 32 bits e, devido a esta abordagem, o jogo esteticamente apresenta um aspeto misto porque enquanto o modelo de Lara foi vastamente melhorado em Tomb Raider I-II-III Remastered o resto dos outros elementos não acompanharam esta tendência, se bem que podemos ver o antes e o depois com um simples premir de botão sem nenhum carregamento para vislumbrarem Lara Croft com uns sólidos 30 fotogramas por segundo em toda a sua glória cúbica. Também é possível viajar aos anos ’90 através das suas sequências em FMV que se mantiveram inalteráveis, talvez por saudosismo ou simplesmente preguiça.

Lara transitou para o século XXI, os animais selvagens ficaram retidos no anterior

São nestes pontos que me senti num impasse nesta análise porque talvez as minhas expetativas estivessem demasiado altas e reconheço que até esteja a ser injusto, mas ao tentar jogar estes jogos senti muitas dificuldades em desfruta-los mesmos sendo um fã. Acredito mesmo que vão existir jogadores que vão apreciar toda a trilogia sem pestanejar, o mesmo posso dizer dos jogadores que querem revisitar um clássico modernizado, mas é difícil negar que estes jogos não conseguiram conquistar o teste do tempo.

Quanto a opções gráficas, nem sei como vos dizer isto, mas simplesmente são inexistentes, por um lado compreendo esta abordagem, afinal estamos a falar de jogos com quase três décadas, mas aqui a Aspyr poderia ter trabalhado mais, ao incluir filtros de imagem, o cabelo apanhado da Lara no primeiro jogo, emular a versão sobreposta triangular da SEGA Saturn, ou o aspeto clássico mais limpo das versões PC CD-ROM, o único aspeto visual que encontrei é modificar as indumentárias de Lara, que mesmo assim são os que usa nas aventuras deste pacote. Como o jogo é praticamente um jogo de meados dos anos 90 com uma pintura moderna, o jogo é executado na resolução e taxas nativas do monitor, daí que nenhum computador moderno, ou PC form factor como a Steam Deck ou a ROG Ally vai ter dificuldades a executar as aventuras dao Sra. Croft. Realmente o que senti maior dificuldade foi apenas no salvar ou carregar jogo. Como até nos menus o jogo respira PlayStation Original, para carregar ou salvar o jogo os jogadores vão ter de o pausar e navegar até ao passaporte de Lara, tenham muita atenção que as slots de carregamento de estado salvo estão antes e por distração dei por mim a carregar um jogo em vez de o salvar.

Para o melhor ou pior Tomb Raider I-II-III Remastered permanece com a essência dos jogos completamente inalterável e tudo o que nos fez adorar estes jogos nos anos 90 está bem vivo nesta coletânea. Os puzzles, a aventura, a matança indiscriminada de espécies em vias de extinção, as faixas musicais, o tema de cada jogo, e até a possibilidade de ir à mansão da Croft e claro trancar o seu fiel mordomo corcunda no congelador, que aqui até é um troféu/achievement. Podemos viver tudo isto e muito mais, nada foi removido ou alterado, e em vários aspetos, Tomb Raider I-II-III Remastered pode ser comparado a um tesouro antigo que julgávamos perdido numa cripta.

No final do dia, existe muito para dizer ou desfrutar em Tomb Raider I-II-III Remastered, para ser honesto. Os três jogos e o conteúdo extra das expansões representam um imenso valor para os jogadores e para os fãs que querem revisitar a trilogia. Porém, por talvez tentar agradar demasiado a esta camada, e precisar de uma abordagem mais trabalhada e moderna, é bastante difícil recomendar para outros jogadores. Este é por excelência um produtor criado com base nos desejos dos maiores fãs da Lara Croft The 1st.

Bruno Reis
Vindo de vários mundos e projetos, juntou-se à redação do Otakupt em 2020, pronto para informar todos os leitores com a sua experiência nas várias áreas da cultura alternativa. Assistiu de perto ao nascimento dos videojogos em Portugal até à sua atualidade, devora tudo o que seja japonês (menos a gastronomia), mas é também adepto de grandes histórias e personagens sejam essas produzidas em qualquer parte do globo terrestre.
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