Andrew Shouldice, é um programador que dedicou os últimos sete anos da sua vida à criação do videojogo Tunic. Esta aventura isométrica de recortes e influências muito semelhantes às clássicas da série The Legend of Zelda, não só retira os seus conceitos base como nos transporta para a mesma era, onde folheávamos as páginas dos manuais de instruções dos nossos jogos, tirávamos vários apontamentos num caderninho e corríamos até ao nosso quiosque para comprar uma edição mensal da nossa revista de videojogos, na esperança de encontrar truques e dicas do jogo que estávamos a jogar. De espada e escudo nas nossas mãos vamos descobrir se o jogo publicado pela Finji vai corresponder a todas as exigências deste seu cartucho digital.

A abertura de Tunic é uma clara alusão à popular série da Nintendo criada por Shigeru Miyamoto. Ao invés de um jovem elfo de cabelos loiros e vestes verdes, encarnamos uma pequena raposa numa ilha. Além de também vestir uma indumentária muito semelhante à de Link, o que também une as personagens é essencialmente a sua narrativa. Tal como os clássicos The Legend of Zelda, o nosso amigo felpudo desperta numa ilha. Não tendo nenhuns indicadores, quem é, qual o propósito da sua missão ou, porque despertou num local repleto de monstros e inúmeras armadilhas. Desta vez a nossa primeira missão será encontrarmos uma espada para o nosso herói desbravar caminho e se defender, já que Tunic meticulosamente bloqueia diversas zonas até esta ser adquirida. A equipa da Finji inspirou-se imenso no primeiro The Legend of Zelda, para produzir esta grande aventura, visto que até recrutou o célebre meme do jogo de 1986 “It’s dangerous to go alone! Take this” mas ao invés de uma espada adquirimos um galho de árvores -afiado. Pelo caminho até a uma estranha floresta onde reside a “espada do herói”, o nosso Link de pelo laranja navega até um estranho templo e lá conhece uma divindade, que possui diversas estatuetas por toda a ilha, quem é? O que deseja? Porque a ilha se encontra povoada de monstros? Estas e muitas mais respostas vão ser gradualmente respondidas de uma forma que nos arrancou um enorme sorriso.

Tal como Link o nosso herói também acorda numa praia deserta

Tunic resgata a era onde o mistério era uma constante, e grande parte do jogo apenas seria solucionado com a investigação do jogador, um sentimento que se perdeu desde meados desde novo milénio. Longe vão os tempos onde encontrávamos revistas nos quiosques com estratégias, mapas ou até manuais de instruções nos jogos. Para nos transportar para esta saudosa era a equipa da Finji, espalhou diversas páginas de manuais por toda a ilha. Este registo não só revela o mapa da mesma como também oferece dicas, informações de itens, e até a própria história, que de início está fortemente fragmentada. Por si só o jogador recebe uma motivação extra para explorar a ilha ou atravessar uma localização povoada por criaturas mortais para adquirir uma destas páginas digitais de sabedoria. É impossível não sorrir quando visitamos uma secção no menu especialmente destinada para este fim. O seu aspeto visual é muito reminiscente aos manuais da Nintendo, especialmente os que encontrávamos no interior dos jogos de Game Boy, pois além de coloridos, também apresentam diversas ilustrações de personagens, e pequenas dicas.

Uma das missões principais do jogador é encontrar três pedras mágicas (alusão às três partes do TRIFORCE)

Mistério é essencialmente a palavra de ordem no mundo de Tunic, visto que os próprios itens e localizações também apresentam as mesmas características. Ao longo da ilha não só encontramos algumas tabuletas com caracteres desconhecidos, como também os itens e os seus atributos apenas podem ser descobertos se forem utilizadas ou encontradas páginas do manual que expliquem o seu efeito. Este elemento é especialmente importante no desenvolvimento da nossa personagem. Na nossa travessia pela ilha encontramos diversos baús de tesouros providos dos mais variados itens, desde itens de cura, passando por armas, e terminando em caninos, plantas ou artigos de cerâmica. Estes à primeira vista não aparentaram grande utilidade. Porém, se os apresentarmos às diversas estátuas espalhadas ao longo da ilha e pagarmos uma pequena quantia de ouro (crescente), podemos melhorar os atributos do nosso herói felino, como força, defesa, poder mágico e resistência. Este último atributo é um elemento moderno que permite uma abordagem mais metódica e menos imediata, já que cada ataque ou ação consome uma pequena porção da nossa barra de resistência, e é necessário cessar o ataque para recuperarmos o fôlego.

À medida que o jogador explora os locais de Tunic o seu mapa aumenta de tamanho

Outra mecânica bem moderna neste mundo pincelado de saudosismo, gira em torno das estátuas. As mesmas além de regenerarem a nossa saúde também fazem o mesmo para todos os elementos da ilha. Ou seja, se o jogador se sentir fatigado é bom que pense duas vezes se deve pedir o seu auxílio, dado que um inimigo que quase lhe custou a vida voltará ao ativo. Se o jogador for derrotado em qualquer um destes confrontos não surge a frase “Game Over” ou “You Died”, mas é sim transportado novamente para a última estátua que interagiu com metade do ouro que possuía no momento da sua derrota. Para reaver a outra porção, deve voltar ao local onde morreu e lá despertar uma pequena estátua azul, se o conseguir, perfeito, não terá perdas, se morrer até esse destino, a porção que recolheu ficará perdida para sempre, e o que possuía de momento será novamente cotado a metade.

Tunic, possui uma dificuldade bem elevada especialmente no confronto contra bosses, até mesmo uma página do manual reforça esta ideia, considerem-se avisados que mesmo que não se trate de um título da FromSoftware vão morrer, morrer, e morrer, até assimilarem os seus padrões de arque. Mesmo que Tunic seja inspirado quer em Action RPGs clássicos como modernos, possui uma identidade muito própria. A ilha conta com diversos acessos que também permitem diversos atalhos. Apesar que muitos necessitem da utilização de cordas ou erguer pequenas pontes também requerem o uso de itens destinados para esse fim -como, por exemplo, uma espécie de bungee gum utilizada em ganchos para atravessar outras superfícies. Adicionalmente o jogador pode utilizar alguns telescópios espalhados pela ilha para não só avistar a posição inimiga como também traçar estratégias de modo a evitar trajetos desnecessários até chegar a uma estátua, isto porque recuperar vitalidade nesta aventura requer muito mais do que cortar relva e destruir potes.

Graficamente Tunic é um jogo modesto, mas em certos ambientes alcança maior um requinte visual devido aos seus efeitos de luzes

Os “corações” existem é certo, mas a quantidade recuperada é muito pequena. Para evitar recuperar vitalidade utilizando as estátuas, os jogadores contam com poções de vida que também são regeneradas nas mesmas. Estas podem aumentar de tamanho e efeitos se reunirmos 3 pedaços de vidro que compõem o seu recipiente. Escusado será dizer que o seu uso deve ser muito restrito e apenas para os maiores momentos de aperto, ou em confrontos contra os implacáveis bosses. Devido a estes e muitos mais elementos sentimos uma interligação muito forte com o mundo de Tunic. A ilha pode ser descrita como uma enorme “Hub”, onde localizações, atalhos e elementos a ligam na sua totalidade, acreditem que se vão deslumbrar bastante na forma como certas secções estão inseridas, a rapidez que podemos tomar para chegar do ponto A ao B, e entusiasmarem-se quanto mais exploram e desbravam. Este sentimento também pode condicionar a diversão para jogares que apelam mais ao imediato, pois por vezes são precisas horas, ou até dias, para descobrir como prosseguir no jogo e explorar cada recanto, visto que o jogo divaga bastante dos objetivos que vão surgindo. Contudo, vão sentir uma alegria enorme quando, por exemplo, descobrirem uma localização que parecia inacessível, ou então um novo local para prosseguirem a vossa aventura. O mesmo podemos dizer do seu enredo, pois quanto mais mergulhamos e encaixamos as peças da sua intrigante narrativa mais tingido de negro fica um quadro aparentemente harmonioso.

As masmorras de Tunic possuem imensos enigmas, perigos e atalhos

Tunic, mesmo sendo um jogo que não fará nenhuma configuração de PC suar, possui alguns registos gráficos muito interessantes. O seu mundo isométrico em forma de diorama é simples na sua essência, contudo, em certos cenários onde a penumbra é uma constante
somos brindados com efeitos de luz muito interessantes que lhe atribuem um aspeto moderno e atual. Foi com muita surpresa que constatamos que as suas opções gráficas albergam opções gráficas modernas. Qualidade de sombras, Qualidade SSAO, Profundidade de Campo, e FXAA são opções gráficas não existem em jogos de maior orçamento, e realmente foi uma surpresa encontrarmos estas opções em Tunic, considerando que estamos na presença de um indie, criado com apenas a intervenção de uma pessoa. Além destas opções gráficas os jogadores também podem escolher resoluções até 4K, mas os seus fotogramas de animação são barrados à frequência do nosso monitor. No nosso equipamento não tivemos quaisquer inconsistências com todos os seus efeitos acionados na sua máxima qualidade. Quanto ao som, julgamos que não se adequa por vezes às ações que presenciamos. Na sua maioria temos uma melodia base que sofre diversas variações consoante o sítio onde a nossa raposa se encontra. Quase todas as melodias são demasiado harmoniosas, mesmo em canários mais decadentes, apenas sentimos uma maior adrenalina durante os confrontos contra os perigosos “bosses”. Sentimos que as melodias deviam ser polvilhadas com temas de aventura, por exemplo, um tema semelhante ao saudoso tema do “overworld” do jogo Alundra na PlayStation, assentava melhor quando o nosso Link felpudo explorava a ilha e os inúmeros mistérios que nela habitam. Outro efeito que também nos surpreendeu foi o abismal número de idiomas presente em Tunic. Este jogo pode orgulhar-se de apresentar o mesmo número de países do espaço “Schengen”. Ou seja, podemos escolher qualquer um dos seus 26 idiomas, onde naturalmente o Português do Brasil se encontra presente.

Tunic, é uma aventura especialmente orquestrada para o público que jogava com um comando nas suas mãos, um guia aberto numa das suas pernas, um manual à sua direita perto de uma folha e uma caneta. Estamos diante de uma requintada aventura que faz do seu mistério e da nossa descoberta o seu maior aliciante e destaque, um sentimento que se perdeu ao longo dos anos devido aos auxílios no seu próprio ecossistema e modos de vida. Embora Tunic, não reinvente a roda, certamente que a coloca num trilho alternativo entre o moderno e o tradicional numa estrada que conquistará quer veteranos como novatos.

Prós e Contras de Tunic

+ Aventura inspirada nos jogos The Legend of Zelda clássicos
+ Diferente e original
+ Faz do mistério o seu elemento principal
+ Motivações extra para jogar
+ Uma carta de amor para uma era dos videojogos
+ Desafiante
+ Opções gráficas requintadas
+ Textos em imensos idiomas
– Som não adequado a alguns ambientes
– Falta de indicadores de progressão no jogo podem afastar alguns jogadores

Bruno Reis
Vindo de vários mundos e projetos, juntou-se à redação do Otakupt em 2020, pronto para informar todos os leitores com a sua experiência nas várias áreas da cultura alternativa. Assistiu de perto ao nascimento dos videojogos em Portugal até à sua atualidade, devora tudo o que seja japonês (menos a gastronomia), mas é também adepto de grandes histórias e personagens sejam essas produzidas em qualquer parte do globo terrestre.
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