A série Mana (Seiken Densetsu no Japão) é um dos clássicos da Square Enix que apesar de não ter a mesma projeção e orçamento de Final Fantasy, é uma série que tem vindo a atualizar-se desde o seu surgimento sem prescindir dos seus alicerces, o que o tornou num jogo emocionante e sem dúvida especial. Passadas quase duas décadas, é lançado Visions of Mana, o novo episódio desta série desenvolvido pelo Ouka Studio que foi lançado recentemente para a PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox Series e PC (Steam).
A história de Visions of Mana desenrola-se novamente à volta do poder da Mana, sendo que neste mundo são selecionados de 4 em 4 anos um grupo de jovens de localidades diferentes para se tornarem Alms. Quando tal acontece, os escolhidos devem partir numa viagem até à Árvore da Mana para oferecerem as suas vidas a pedido da deusa para que o mundo não seja submerso pelo caos e assim se consiga manter a harmonia. Esta tradição herdada dos seus antepassados é aceite pelos escolhidos com imensa honra, ainda que seja um fardo pesado de carregar que vai sendo questionado ao longo da missão.
O primeiro episódio da série Mana, lançado em 1991, começou por ser estruturado como um spin-off de Final Fantasy, chamado de Final Fantasy Adventure.
Durante a peregrinação, os escolhidos têm ao seu lado a companhia de Val, o jovem protagonista deste jogo que recebe o título de Protector dos Alms, cuja a missão passa por os proteger até ao destino.
Um dos destaques deste jogo é a presença de uma narrativa que se vai tornando mais cativante à medida que se aprofunda. Aos poucos vamos encontrando um grupo de personagens carismáticos que vão ganhando forma com o desenvolver dos eventos, sobretudo o enredo que envolve Val e a sua amiga de infância Hinna (a escolhida para ser a Alm do fogo). Este envolvimento entre o elenco principal durante a peregrinação à Árvore da Mana abre espaço para o crescimento pessoal de cada personagem, debruçando-se sobre diversos temas normalmente patentes nos clássicos JRPGs como a amizade, companheirismo, amor e sacrifício. Por outro lado, entre os muitos momentos dramáticos, não faltaram também situações engraçadas que encaixam bem com as personalidades coloridas do jogo.
Tenho a acrescentar que nunca joguei os títulos da série Mana por causa do seu enredo, achei sempre que fica aquém do esperado, apesar de apresentarem uma base filosófica e mitológica bastante singular. Mas neste caso, em Visions of Mana foi conseguida uma narrativa mais apelativa e que vai crescendo de capítulo para capítulo. A Ouka Studio fez aqui um óptimo trabalho, apostando num início mais calmo para depois das primeiras horas nos conquistar com vários momentos mágicos e fantásticos, conseguindo agarrar-nos ao ecrã até ao final.
Durante a história os nossos heróis vão passar por vários locais, desde vilas, cidades, florestas, masmorras e muito mais. A estrutura destas zonas é muito semelhante ao que estamos familiarizados com os jogos tradicionais deste género, onde existem criaturas para enfrentar, tesouros por descobrir e outros desafios que elevam a dificuldade. Dentro das Vilas e Cidades há bastantes habitantes para interagir e é por norma onde podemos comprar armas, armaduras e itens nos comerciantes. Ao contrário do que se estava à espera, parte das casas não dão para entrar, servindo basicamente de artifícios decorativos e para além disso as conversas com os NPCS pouco acrescentam ao enredo, quanto muito apenas dão informações sobre a cidade ou dos acontecimentos mais recentes.
Claro que o melhor da exploração ficou reservado para as zonas fora das cidades e vilas de Visions of Mana. Este mundo divide-se em áreas mais abertas e também lineares, nas quais são apresentadas uma série de elementos com os quais podemos interagir, como baús com itens cura ou até acessórios para equipar que melhoram as capacidades das personagens em combate. Temos também um tipo de Trials que funcionam como desafios cronometrados ligados aos espíritos elementares.
Os Elemental Vessels oferecem uma variedade de abordagens em combate e na exploração.
Ainda que tenha sido divertido desbravar as áreas do mundo, a exploração vai perdendo um pouco do encanto por não permitir que descubramos sozinhos o conteúdo escondido do jogo porque desde o início que estes locais estão apontados como pontos azuis no nosso mapa. Apesar desta facilidade, que infelizmente não pode ser desativada, grande parte do conteúdo para ser conquistado envolve confrontos contra criaturas de nível superior e principalmente a posse de um certo espírito elementar para atravessar os obstáculos que nos impedem de chegar onde desejamos.
Portanto, para aproveitarmos melhor o conteúdo que Visions of Mana tem para oferecer, será normal revisitarmos as áreas anteriormente exploradas, uma vez que precisamos de evoluir o nível das personagens e desbloquear os poderes elementares para avançar na narrativa.
Um dos pilares mais importantes dos jogos Mana é o seu sistema de combate em tempo real, que faz com que a imersão não seja quebrada durante a exploração. Aqui acontece exatamente isso, as lutas compostas por um grupo de três personagens rapidamente se transformam em combates rápidos e frenéticos. É um sistema funcional também resultante da IA que controla os nossos companheiros. Mesmo que decidamos não personalizar os seus comandos dentro do menu principal, funcionam muito bem, usando eficazmente as suas habilidades e pontos fortes contra as criaturas. Combater é ainda crucial para aumentarmos o nível das nossas personagens e desta forma obtemos energia suficiente para desbloquear novas habilidades.
Visions of Mana apresenta um sistema de elementos combinado com um combate simples de aprender, mas um pouco mais complexo que os projetos anteriores. Ao todo, temos 8 artefactos elementares (fogo, água, lua, vento, etc) que quando equipados por um dos personagens, desbloqueiam uma classe única com qualidades distintas, diferentes ataques e defesas, uma nova árvore de habilidades, ataques especiais e por vezes o próprio tipo de arma. As mudanças passam também pela aparência das personagens, um pormenor visual que faz toda diferença durante a jornada.
Por outro lado, podemos equipar sementes que oferecem habilidades, independente do espírito elemental que tenhamos equipado. As sementes tanto podem dar habilidades físicas como mágicas, por exemplo aumentar o HP, ataque físico e defesa dos personagens. A estratégia está no tipo de personagem que queremos “criar” e os elementos e habilidades que queremos combinar para sobreviver aos desafios mais complexos, isto acaba por transformar os combates, tornando-os pouco repetitivos e muito entusiasmantes.
Ao mergulharmos no mundo de Visions of Mana é inevitável não repararmos na sua belíssima direção artística. Começamos por reparar nas personagens que têm um design apelativo realçado pela variedade de classes. Ao mesmo tempo, os cenários por onde passamos são muito ricos e variados, refletindo bem a essência da franquia com a presença de campos verdejantes, montanhas geladas, desertos e muito mais. Os ambientes do jogo ganham mais força com a quantidade de pormenores e vivacidade de cores presentes, ficando rapidamente gravados na nossa mente como se fossem uma pintura. No entanto, ao longo do jogo, existem problemas técnicos que são difíceis de ignorar. Em algumas situações acontecem as comuns quedas de FPS, mas encontramos os piores problemas nas animações, como: personagens com movimentos desajeitados, a boca não se mexe algumas vezes quando falam e falhas nas transições de uma cena para a outra.
Tenho a dizer que o trio de compositores Hiroki Kikuta, Tsuyoshi Sekito e Ryo Yamazaki fizeram um trabalho fenomenal na composição dos temas desta aventura. Estes transmitem em pleno os sentimentos que a aventura pretende transmitir aos jogadores e que sem dúvida estamos dentro de um universo de fantasia.
Em termos de acessibilidades, Visions of Mana para além de não ter legendas em português, apresenta algo que tenho notado constantemente em outros lançamentos que é a legibilidade das legendas. Tanto na escolha do tipo de letra assim como na cor e tamanho, não foram de todo as escolhas mais acertadas, perdendo-se muitas das vezes entre os gráficos vivos do jogo. De certa forma, era importante que estes estúdios seguissem o exemplo de muitos outros e acrescentassem mais opções neste parâmetro para que nos pudéssemos sentir mais confortáveis enquanto jogamos.
Visions of Mana é o salto que a série precisava para voltar a captar atenção dos fãs de JRPGs. É um jogo visualmente atraente com uma história emocionante, composto por um sistema de combate simples mas muito dinâmico e divertido de controlar. Há alguns pontos a serem melhorados para o próximo título, como as missões secundárias e os problemas técnicos que nem sempre ajudam na experiência. De qualquer forma, é fácil recomendar Visions of Mana a qualquer jogador, mas desta vez devemos agradecer este bom jogo à equipa do Ouka Studio que dedicou o seu tempo a reerguer uma série que esteve ausente durante mais de 15 anos.