
A Apple sofreu um revés significativo na sexta-feira passada quando um júri federal na Califórnia determinou que a empresa tem de pagar 634 milhões de dólares, cerca de 596 milhões de euros, à Masimo por violação de patentes relacionadas com a tecnologia de monitorização de oxigénio no sangue presente no Apple Watch. A decisão representa uma das maiores indemnizações por violação de patentes no setor tecnológico de consumo no Distrito Central da Califórnia.
O tribunal concluiu que as funcionalidades de notificação de frequência cardíaca e o modo de treino do Apple Watch infringiam uma patente da Masimo sobre tecnologia de oximetria de pulso. A decisão aplica-se a aproximadamente 43 milhões de dispositivos vendidos entre 2020 e 2022, incluindo os modelos Series 6, 7 e 8, bem como as primeiras gerações do Apple Watch Ultra.
Uma batalha que dura há anos
A disputa legal entre a Apple e a Masimo, empresa californiana especializada em dispositivos médicos de monitorização de pacientes, arrasta-se há vários anos e transformou-se numa teia complexa de processos judiciais em múltiplas jurisdições.
A Masimo acusa a Apple de ter contratado os seus funcionários, incluindo o diretor médico da empresa, e de ter roubado a sua tecnologia patenteada de oximetria de pulso para integrar no Apple Watch. A tecnologia em questão utiliza sensores óticos para detetar o fluxo sanguíneo e medir os níveis de saturação de oxigénio no sangue.

O ponto central do julgamento centrou-se numa questão técnica mas crucial, será que o Apple Watch pode ser considerado um “monitor de pacientes” para efeitos da patente da Masimo? A Apple argumentou que o termo se refere apenas a dispositivos projetados para monitorização clínica contínua que não podem falhar eventos médicos críticos.
No entanto, os advogados da Masimo contra-argumentaram com dados concretos. Apontaram que a funcionalidade de notificação de frequência cardíaca elevada do Apple Watch deteta ritmos cardíacos anormais com 95% de sensibilidade, cumprindo assim os requisitos da patente. Citaram ainda documentos internos da Apple que descrevem o dispositivo como “o monitor de frequência cardíaca mais usado no mundo”.
O júri acabou por concordar com a Masimo em todas as quatro reivindicações da patente, concluindo que o Apple Watch se qualifica legalmente como um monitor de pacientes e que a Apple infringiu a tecnologia patenteada.

Apple promete recorrer e questiona validade da patente
A resposta da Apple foi imediata e contundente. Um porta-voz da empresa afirmou que o veredicto “é contrário aos factos” e anunciou a intenção de recorrer da decisão.
De facto, a patente em questão (número 10.433.776) expirou em 2022, embora isso não elimine a responsabilidade da Apple pelos danos causados durante o período em que a patente estava válida.
A Apple tinha proposto que os danos fossem limitados entre 3 e 6 milhões de dólares, enquanto a Masimo exigiu entre 596 e 703 milhões de euros. O júri acabou por atribuir o valor mais baixo do intervalo solicitado pela Masimo.
Esta decisão é apenas um capítulo numa guerra jurídica muito mais ampla entre as duas empresas. Em 2023, a Comissão de Comércio Internacional dos Estados Unidos (ITC) decidiu a favor da Masimo e proibiu a importação dos modelos Apple Watch Series 9 e Ultra 2 para os Estados Unidos por violação de duas patentes da empresa.
A proibição entrou em vigor no final de dezembro de 2023, obrigando a Apple a suspender temporariamente as vendas desses modelos no seu mercado doméstico. Durante mais de ano e meio, os Apple Watch vendidos nos Estados Unidos não puderam incluir a funcionalidade de monitorização de oxigénio no sangue.
Em agosto deste ano, a Apple introduziu uma solução alternativa, em vez de os dados de oxigénio no sangue serem processados e exibidos no próprio relógio, passaram a ser medidos no Apple Watch mas calculados e apresentados no iPhone emparelhado. A mudança satisfez os reguladores da Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA, que autorizaram a retoma das vendas.
No entanto, a Masimo não ficou satisfeita com esta solução e apresentou um novo processo contra a decisão da alfândega americana, tentando mais uma vez impedir a venda dos Apple Watch com a funcionalidade de oxigénio no sangue. Na sexta-feira, o mesmo dia da decisão do júri na Califórnia, a ITC anunciou que vai abrir uma nova investigação para determinar se a solução alternativa da Apple também viola as patentes da Masimo.

Vitórias e derrotas para ambos os lados
Curiosamente, a Apple também conseguiu uma pequena vitória contra a Masimo. No ano passado, um júri no Delaware considerou que o smartwatch desenvolvido pela Masimo violava duas patentes de design da Apple, resultando numa indemnização simbólica de 250 dólares, o mínimo legal. A Apple deixou claro que o objetivo principal não eram os danos financeiros, mas sim uma ordem judicial para impedir a Masimo de vender o seu próprio smartwatch.
Além disso, um caso separado sobre alegado roubo de segredos comerciais terminou em 2023 com um julgamento nulo, depois de o júri não ter conseguido chegar a um veredicto unânime. Esse caso ainda aguarda novo julgamento.
Impacto limitado mas simbolicamente significativo
Para uma empresa do tamanho da Apple, que registou receitas totais superiores a 381 mil milhões de dólares no ano fiscal de 2024, uma indemnização de 596 milhões de euros não representa um golpe financeiro devastador. No entanto, o impacto reputacional e as restrições operacionais são mais preocupantes.
A decisão estabelece um precedente importante sobre o que constitui um “monitor de pacientes” no contexto de dispositivos de consumo. Também reforça a posição da Masimo como defensora agressiva da sua propriedade intelectual no crescente mercado de tecnologia de saúde portátil.

Para a Apple, a batalha continua em múltiplas frentes, o recurso desta decisão na Califórnia, o recurso da proibição de importação no tribunal de recursos federal, e a defesa contra a nova investigação da ITC sobre a solução alternativa implementada em agosto.
A empresa enfrenta também pressão crescente de reguladores antitruste na Europa e processos nos Estados Unidos relacionados com alegados monopólios em várias áreas, desde as lojas de aplicações até à tecnologia publicitária. A disputa com a Masimo é apenas um dos muitos desafios legais que a gigante tecnológica navega enquanto procura manter a sua posição dominante no mercado de dispositivos, avaliado em dezenas de milhares de milhões de dólares.








