Mais...
    InícioTecnologiaCriador do Yout.com condenado no Brasil por violação massiva de direitos de...

    Criador do Yout.com condenado no Brasil por violação massiva de direitos de autor

    Tribunal de São Paulo sentencia americano a três anos de prisão por ferramenta de download do YouTube

    Yout.com screenshot

    Um tribunal criminal brasileiro acaba de marcar um momento histórico na luta contra a pirataria digital. Johnathan Nader, o americano por trás do popular site Yout.com, foi condenado por violação massiva de direitos de autor numa decisão sem precedentes que pode redefinir o futuro das ferramentas de download de vídeos.

    A sentença, proferida pelo 12.º Tribunal Criminal de São Paulo, determinou uma pena de três anos e quatro meses de prisão para Nader. Mas o programador de Connecticut não vai parar atrás das grades, pelo menos não por enquanto. Como é a primeira infração, a juíza Eva Lobo Chaib Dias Jorge converteu a pena em sanções alternativas, incluindo o pagamento de 200 salários mínimos mensais a um fundo de incentivo à segurança pública.

    Esta é considerada a primeira condenação criminal contra um serviço dedicado exclusivamente ao download de conteúdos do YouTube. E representa uma vitória significativa para as grandes editoras discográficas, que há anos tentam travar o fenómeno do “stream-ripping”, a extração de áudio e vídeo de plataformas de streaming.

    Uma longa batalha judicial que começou em 2021

    A história começa em 2021, quando o Ministério Público de São Paulo apresentou uma queixa criminal contra Nader. Na altura, o Yout.com já estava no radar das autoridades brasileiras, e o site foi bloqueado pelos fornecedores de internet locais como medida cautelar.

    Um ano depois, em 2022, a procuradoria ofereceu uma saída. Em troca de suspender o processo criminal, Nader teria de pagar 1,9 milhões de reais, às autoridades. O acordo também exigia que o site bloqueasse ativamente visitantes brasileiros, eliminasse as suas contas e partilhasse informações sobre tentativas de acesso do Brasil com as autoridades duas vezes por mês.

    A resposta de Nader foi clara: não. O programador rejeitou o acordo e tentou que o caso fosse arquivado, argumentando que o Yout funciona como um gravador de vídeo digital na internet, sem armazenar qualquer material infrator e com usos legítimos suficientes.

    O tribunal não aceitou a argumentação da defesa. Num documento de 21 páginas, a juíza baseou-se em provas técnicas fornecidas por um perito nomeado pelo tribunal, que concluiu que o Yout não é simplesmente uma ferramenta de gravação “neutra”. Em vez disso, foi especificamente criado para contornar as medidas de segurança implementadas por sites como o YouTube.

    A decisão judicial foi clara sobre o impacto do serviço: “Em última análise, é evidente que o serviço operado pelo arguido contraria diretamente a proteção constitucional dos direitos de autor, apropriando-se indevidamente das obras de terceiros e causando danos financeiros e morais aos legítimos titulares de direitos. Por esta razão, responsabilizar o arguido não é apenas legítimo, mas necessário para a preservação da ordem jurídica e da integridade do próprio mercado cultural”.

    Com milhões de visitas brasileiras ao Yout.com, o tribunal determinou que a violação de direitos de autor foi cometida milhões de vezes.

    A questão da jurisdição: onde operas não importa

    Um dos aspetos mais relevantes desta decisão prende-se com a jurisdição. A defesa de Nader argumentou que, sendo ele um cidadão residente nos Estados Unidos a operar uma empresa americana, não deveria estar sujeito à lei criminal brasileira.

    O tribunal rejeitou completamente esta tese. A juíza decidiu que, uma vez que o site recebeu milhões de visitas provenientes do Brasil, o impacto do crime ocorreu em território nacional. Assim, a lei brasileira aplica-se independentemente da localização dos servidores ou do programador.

    “O facto de a conduta do arguido não ser considerada punível no seu país de origem não diminui de forma alguma a sua ilegalidade quando os resultados se refletem no nosso Território Nacional”, afirma o veredicto.

    Esta interpretação pode ter implicações significativas para outros operadores de sites estrangeiros que recebem tráfego substancial do Brasil. Essencialmente, o tribunal está a dizer que se o teu serviço tem impacto no país, estás sujeito às suas leis, não importa onde estejas baseado.

    Uma guerra em várias frentes

    O caso brasileiro é apenas uma das batalhas legais que Nader enfrenta. Em 2020, numa jogada defensiva pouco convencional, o programador processou a RIAA (Recording Industry Association of America) num tribunal federal de Connecticut, tentando que o seu serviço fosse declarado legal nos Estados Unidos.

    O argumento central do Yout é que o YouTube não tem medidas de proteção tecnológica eficazes para começar. Nader sustenta que qualquer pessoa pode facilmente descarregar áudio e vídeo do YouTube através de um navegador web comum, e que o Yout apenas automatiza esse processo, sem contornar qualquer medida de segurança real.

    A RIAA discorda frontalmente. O grupo da indústria musical argumenta que o YouTube implementa um “rolling cipher” baseado em JavaScript para dificultar o download direto de conteúdo, e que o Yout contorna deliberadamente esta proteção.

    O caso contra a RIAA ainda está em recurso, mas a decisão inicial não foi favorável a Nader. Em 2022, o tribunal distrital decidiu arquivar o processo, concluindo que o Yout não conseguiu demonstrar que não contorna as medidas de proteção tecnológica do YouTube. Em 2023, Nader recorreu para o Tribunal de Recursos do Segundo Circuito, onde o caso continua pendente.

    O que isto significa para o futuro

    Esta condenação no Brasil é um marco importante na luta da indústria musical contra os serviços de download de streaming. Pela primeira vez, um operador de uma ferramenta de “stream-ripping” enfrenta consequências criminais, e não apenas civis, pelas suas atividades.

    Para Nader, a situação é particularmente delicada. Se não cumprir as condições impostas pelo tribunal ou deixar de pagar a multa, a pena de prisão pode voltar a estar em cima da mesa. E embora seja improvável que o programador americano seja extraditado para o Brasil, a condenação criminal pode complicar significativamente as suas viagens internacionais e outros aspetos da sua vida.

    O Yout.com continua bloqueado no Brasil, onde só pode ser acedido através de uma VPN. Nader já anunciou que vai recorrer do veredicto, mantendo-se fiel à sua posição de que o serviço é legal e serve propósitos legítimos como o “time-shifting”, o conceito que permite às pessoas gravar conteúdo para ver mais tarde, aprovado pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos no caso Sony Corp. of America v. Universal City Studios em 1984.

    Enquanto isso, a indústria musical celebra uma vitória rara numa batalha que tem sido difícil de vencer. Os serviços de download de vídeos do YouTube proliferam na internet, muitos deles operando a partir de jurisdições onde a aplicação da lei é praticamente impossível. Esta decisão brasileira pode servir de precedente para outros países que procuram formas de combater a pirataria digital quando os operadores estão fora das suas fronteiras.

    Helder Archer
    Helder Archer
    Fundou o OtakuPT em 2007 e desde então já escreveu mais de 60 mil artigos sobre anime, mangá e videojogos.

    Artigos Relacionados

    Subscreve
    Notify of
    guest

    0 Comentários
    Mais Antigo
    Mais Recente
    Inline Feedbacks
    View all comments
    - Publicidade -

    Notícias

    Populares