
A Meta está na mira da Comissão Europeia por alegadamente tornar demasiado complicado para os utilizadores denunciarem conteúdo ilegal no Facebook e Instagram. A decisão preliminar, anunciada esta semana, acusa a empresa de Mark Zuckerberg de violar a Lei dos Serviços Digitais (DSA) através de mecanismos deliberadamente confusos e processos de recurso ineficazes.
A acusação não poupa nas críticas. Segundo Bruxelas, as duas plataformas sociais não oferecem uma forma simples e acessível de denunciar conteúdo que viola a lei, incluindo material de abuso sexual infantil e conteúdo terrorista. O mecanismo de denúncia existente obriga os utilizadores a seguir múltiplos passos desnecessários e impõe exigências adicionais que complicam todo o processo.
Mais grave ainda, a Comissão Europeia acusa o Facebook e Instagram de utilizarem os chamados “dark patterns”, designs de interface deliberadamente enganosos que dificultam ações que a empresa prefere evitar. É como esconder o botão de cancelamento de subscrição no fundo de um menu, mas aplicado ao sistema de denúncia de conteúdo potencialmente criminoso.
O sistema de recursos contra decisões de moderação também não passa no teste. Quando a Meta remove ou mantém conteúdo e os utilizadores querem contestar, não existe forma eficaz de apresentar explicações ou provas que sustentem o recurso. Basicamente, o utilizador fica sem voz para explicar porque discorda da decisão, tornando todo o mecanismo de apelo praticamente inútil.
A Meta não é a única na lista negra da Comissão Europeia. O TikTok também enfrenta acusações preliminares relacionadas com outro aspeto da DSA: o acesso a dados públicos para investigação. Tanto as plataformas da Meta como o TikTok estarão a criar obstáculos burocráticos que impedem investigadores de aceder adequadamente a informação pública.
Esta restrição tem consequências práticas importantes. Sem acesso fiável aos dados, torna-se impossível para académicos e investigadores estudarem questões cruciais, como a exposição de menores a conteúdo ilegal ou prejudicial. A Comissão Europeia considera esta transparência essencial para avaliar o impacto das plataformas na saúde física e mental dos utilizadores.
O TikTok respondeu dizendo que já disponibilizou dados a quase mil equipas de investigação e levantou um problema interessante, pode ser impossível cumprir simultaneamente a DSA e o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD). A empresa pede clarificação sobre como conciliar estas duas obrigações potencialmente contraditórias.
Trump entra na conversa
A situação ganha contornos geopolíticos porque a administração Trump já deixou claro que não gosta da forma como a Europa regula empresas tecnológicas americanas. O presidente tem ameaçado tarifas pesadas contra países que aplicam regras de serviços digitais a empresas dos Estados Unidos. A União Europeia conseguiu um acordo tarifário com Washington durante o verão, mas as conversações sobre implementação continuam tensas.
Andrew Ferguson, presidente da Comissão Federal de Comércio dos EUA, enviou recentemente avisos à Meta e outras empresas alertando que “censurar americanos para cumprir com leis, exigências ou expectativas de uma potência estrangeira” pode violar legislação norte-americana. Segundo Ferguson, a DSA e outras leis europeias incentivam empresas tecnológicas a censurar conteúdo à escala global.
Esta posição coloca a Meta numa situação delicada: cumprir com regulação europeia pode gerar problemas nos Estados Unidos, mas ignorar Bruxelas abre portas a multas astronómicas.
O que pode acontecer a seguir
Por enquanto, trata-se apenas de conclusões preliminares. A Meta tem oportunidade de contestar as acusações antes de a Comissão Europeia tomar uma decisão final. A empresa já veio a público discordar das alegações, afirmando que introduziu mudanças nas opções de denúncia, processo de recursos e ferramentas de acesso a dados desde que a DSA entrou em vigor.
“Na União Europeia, introduzimos alterações e estamos confiantes de que estas soluções correspondem ao exigido pela lei”, disse a Meta em comunicado. A empresa sublinha que continua em negociações com a Comissão Europeia sobre estes assuntos.
Se as conclusões preliminares forem confirmadas, a Meta pode enfrentar uma multa até 6% do seu volume de negócios anual global. Para uma empresa do tamanho da Meta, isso significa milhares de milhões de euros. A Comissão também pode impor penalidades periódicas para forçar a plataforma a cumprir as regras.
A Lei dos Serviços Digitais representa uma das tentativas mais ambiciosas de regular grandes plataformas tecnológicas, estabelecendo regras sobre moderação de conteúdo, transparência algorítmica e proteção de utilizadores. A forma como este caso se desenrola pode definir precedentes importantes sobre o equilíbrio de poder entre reguladores europeus, empresas americanas e governos dos dois lados do Atlântico.









