
A crise de memória RAM que está a fazer disparar os preços dos componentes de PC não tem fim à vista. A Micron, um dos três maiores produtores mundiais de memória, confirmou esta semana aquilo que muitos já temiam, a escassez de DRAM e NAND flash vai “persistir até e para além” de 2026, com a procura impulsionada pela inteligência artificial a superar largamente a capacidade de produção.
Durante a apresentação de resultados do primeiro trimestre fiscal de 2026, o CEO Sanjay Mehrotra não deixou margem para dúvidas: “A procura forte e sustentada da indústria, juntamente com restrições de fornecimento, estão a contribuir para condições de mercado apertadas e esperamos que estas condições persistam para além do ano civil de 2026”.
A Micron admitiu durante a call que atualmente só consegue satisfazer cerca de 55% a 60% da procura dos seus principais clientes. Mehrotra foi direto ao ponto: “Acreditamos que o fornecimento agregado da indústria permanecerá substancialmente abaixo da procura no futuro previsível”.
A inteligência artificial está a engolir toda a produção
O culpado desta crise tem nome: inteligência artificial. Os datacenters dedicados a IA estão a absorver quantidades sem precedentes de memória de alta performance, deixando migalhas para o mercado de consumo. A memória HBM (High Bandwidth Memory), essencial para aceleradores de IA como os da Nvidia, utiliza três vezes mais wafers de silício do que a DRAM convencional.
Este rácio de 3:1 significa que cada chip de HBM produzido representa três chips de DDR5 que não chegam aos PCs, smartphones ou portáteis dos consumidores comuns. E com cada nova geração de HBM, este rácio tende apenas a aumentar.
A Micron reportou receitas recorde de 13,64 mil milhões de dólares no último trimestre, um salto de 57% face ao mesmo período do ano anterior. Destes, 10,8 mil milhões vieram exclusivamente de DRAM, incluindo HBM, GDDR e DDR, um crescimento impressionante de 69% ano após ano. A divisão de memória para cloud computing mais do que duplicou as receitas face a 2024.
Os números não mentem, há mais dinheiro em vender para datacenters de IA do que para consumidores individuais.
A decisão mais simbólica da Micron foi anunciada no início de dezembro, o encerramento definitivo da marca Crucial em fevereiro de 2026. Durante 29 anos, a Crucial foi sinónimo de memória RAM e SSDs fiáveis a preços acessíveis para o mercado de consumo.
Micron abandona o fabrico de memórias, RAM e SSD da Crucial para se dedicar ao mercado IA
A partir de fevereiro, a Micron deixa completamente de fornecer produtos de consumo, concentrando-se exclusivamente em clientes empresariais e datacenters. A empresa continuará a honrar garantias de produtos Crucial já vendidos, mas nenhum novo inventário chegará ao mercado.
Sumit Sadana, vice-presidente executivo e chief business officer da Micron afirmou: “O crescimento impulsionado pela IA no datacenter levou a um aumento na procura de memória e armazenamento. A Micron tomou a difícil decisão de sair do negócio de consumo Crucial de forma a melhorar o fornecimento e apoio aos nossos clientes maiores e estratégicos em segmentos de crescimento mais rápido”.
A saída da Micron do mercado de consumo é devastadora. A empresa representa aproximadamente 20% da capacidade global de produção de DRAM. Com a sua retirada, Samsung e SK Hynix ficam praticamente sozinhas no fornecimento direto de memória ao consumidor final, controlando cerca de 78% do mercado restante.
As consequências já se sentem nas carteiras. Os preços contratuais de DRAM e NAND em dezembro aumentaram entre 80% a 100% face ao mês anterior. Kits de RAM DDR5 que custavam 200 a 300 euros há poucos meses estão agora a aproximar-se dos quatro dígitos. Em alguns casos, a memória tornou-se mais cara do que a placa gráfica num sistema gaming de gama média. A Kingston alertou recentemente que viu os preços dos wafers de NAND aumentarem 246%, com o maior salto a ocorrer “nos últimos 60 dias”.
A Micron anunciou que pretende aumentar os envios de DRAM e NAND flash em 20% durante 2026, mas a própria empresa admite que isso não será suficiente. A construção de novas instalações de produção demora anos e custa milhares de milhões.
A empresa está a trabalhar em duas novas fábricas no Idaho, com a primeira prevista para começar a produzir chips apenas em meados de 2027. Uma instalação em Nova Iorque deverá ter produção a arrancar apenas por volta de 2030. Há também planos para uma fábrica de 9,6 mil milhões de dólares no Japão, mas os prazos são igualmente longos.
Mesmo com toda esta expansão, a Micron antecipa que só conseguirá satisfazer “metade a dois terços” da procura dos seus principais clientes. E isto assumindo que a procura de IA não acelera ainda mais, uma aposta arriscada dado que projetos como o Stargate da OpenAI podem consumir até 40% da produção global de DRAM.
Os fabricantes de memória não querem arriscar sobrecapacidade. A Samsung já deixou claro que prefere manter-se rentável a longo prazo do que expandir rapidamente as instalações. É uma posição compreensível do ponto de vista empresarial, mas devastadora para consumidores.
A realidade é que as margens de lucro na memória de consumo são as mais baixas da indústria. Os produtos para o mercado consumer competem num ambiente volátil, dependente de promoções e com preços agressivos. Por contraste, contratos empresariais oferecem preços médios de venda mais altos, compromissos plurianuais e padrões de procura previsíveis.
Com clientes de datacenters dispostos a pagar prémios substanciais e a assinar acordos de fornecimento a vários anos, a matemática é simples para fabricantes como a Micron: o dinheiro está na IA, não nos gamers ou utilizadores domésticos.
Mehrotra terminou a call de resultados com uma frase que encapsula perfeitamente a situação atual, a memória é “essencial para a experiência de IA”. Para quem esperava comprar ou atualizar um PC nos próximos anos, essa “experiência de IA” está a ter um custo muito real.
Fabricantes como Corsair, G.Skill, Kingston e ADATA, que não produzem os seus próprios chips mas compram DRAM e NAND à Micron, Samsung e SK Hynix, enfrentam agora uma competição feroz por alocação dos dois fornecedores restantes. Isto pode afetar ainda mais a estabilidade de preços e disponibilidade ao longo de 2026.
A menos que a bolha da IA rebente ou novos fornecedores entrem no mercado, os próximos dois a três anos prometem ser extremamente desafiantes para quem precisa de memória RAM ou SSDs. O conselho da indústria é claro, se estão a planear comprar ou fazer upgrade, é melhor fazê-lo o quanto antes. Os preços não vão baixar tão cedo.









