
A Google enfrenta uma factura pesada na Alemanha. Um tribunal de Berlim determinou que a empresa tem de pagar 572 milhões de euros a duas plataformas alemãs de comparação de preços por abuso de posição dominante no mercado. A decisão, divulgada na sexta-feira passada, marca um precedente importante na aplicação das regras antitruste europeias a nível nacional.
O Tribunal Regional de Berlim determinou que a Idealo, propriedade do grupo mediático Axel Springer, receberá 374 milhões de euros em danos diretos mais 91 milhões em juros. A Producto, que gere o portal Testberichte.de, ficará com 89,7 milhões de euros acrescidos de 17,7 milhões em juros.
As duas empresas moveram ações judiciais contra a Google, acusando-a de favorecer sistematicamente o seu próprio serviço Google Shopping nos resultados de pesquisa, criando vantagens de mercado injustas que prejudicavam os concorrentes durante mais de uma década.
Batalha legal que se arrasta há anos
O processo da Idealo remonta a fevereiro deste ano, quando a empresa exigiu inicialmente 3,3 mil milhões de euros em indemnizações. O valor agora atribuído pelo tribunal representa apenas uma fração do pedido inicial, mas a empresa já anunciou que vai continuar a pressão legal para obter a compensação total que considera devida.
Albrecht von Sonntag, cofundador e membro do conselho consultivo da Idealo, não poupou críticas: “O abuso de posição dominante tem de ter consequências e não pode ser um modelo de negócio lucrativo que compensa apesar das multas e indemnizações”.
A decisão judicial alemã fundamenta-se numa decisão anterior do Tribunal de Justiça Europeu de 2024, que confirmou que a Google violou as regras de concorrência ao dar prioridade ao seu serviço de comparação de compras. Esse processo resultou numa multa de 2,4 mil milhões de euros aplicada em 2017 pela Comissão Europeia, depois de a instituição concluir que a Google favorecia sistematicamente o Google Shopping entre 2008 e 2017.
Decisão histórica em Berlim obriga gigante tecnológica a indemnizar plataformas alemãs de comparação de preços por abuso de posição dominante através do Google Shopping
A resposta da Google não se fez esperar. A empresa manifestou descontentamento com a sentença e já anunciou que vai apresentar recurso ao Kammergericht, o tribunal de segunda instância de Berlim.
Um porta-voz da empresa defendeu que as alterações implementadas em 2017 criaram condições equitativas para todas as plataformas de comparação de compras. “O tribunal rejeitou a maioria das reclamações. Vamos agora recorrer, uma vez que não consideramos que os nossos argumentos tenham sido adequadamente considerados”, afirmou.
A Google argumenta que o sistema de leilão introduzido após 2017 permite que plataformas concorrentes tenham as mesmas oportunidades que o Google Shopping para exibir anúncios através da pesquisa Google. No entanto, os queixosos mantêm que os danos causados ao longo de anos de práticas abusivas não foram devidamente compensados.
Europa aperta o cerco à Google
Este não é um caso isolado. A Google tem enfrentado um escrutínio crescente na Europa, onde os reguladores têm sido particularmente rigorosos com as práticas das grandes tecnológicas.
Em setembro deste ano, a Comissão Europeia aplicou à Google uma multa de 2,95 mil milhões de euros por práticas anticoncorrenciais no mercado de tecnologia publicitária. Bruxelas acusou a empresa de favorecer os seus próprios serviços de publicidade digital em detrimento de fornecedores rivais, anunciantes e editores online desde 2014.
A decisão gerou tensões diplomáticas com os Estados Unidos. O presidente Donald Trump criticou duramente a multa, ameaçando retaliações comerciais contra a União Europeia e classificando as penalizações como “muito injustas”. Trump chegou a ameaçar iniciar uma investigação comercial ao abrigo da Secção 301, que poderia resultar em tarifas retaliatórias.
Além do Google Shopping e da publicidade digital, a empresa também foi acusada de favorecer os seus próprios serviços Google Flights e Google Hotels nos resultados de pesquisa, levando a União Europeia a ameaçar com multas massivas por violação da Lei dos Mercados Digitais.
Ao longo da última década, a Google acumulou multas multimilionárias na Europa: 4,3 mil milhões de euros em 2018 por abusos relacionados com o sistema Android, 2,4 mil milhões em 2017 pela comparação de preços, e 1,49 mil milhões em 2019 por práticas abusivas em publicidade.
Um precedente para outros casos
A decisão do tribunal alemão é particularmente significativa porque representa o primeiro caso em que uma jurisdição nacional atribui indemnizações substanciais com base diretamente nas conclusões antitruste da União Europeia. Este precedente pode encorajar outras empresas prejudicadas a apresentar ações semelhantes nos tribunais nacionais.
Especialistas jurídicos consideram que esta sentença pode abrir caminho para uma vaga de processos de indemnização por parte de empresas que se sintam lesadas pelas práticas da Google e de outras grandes tecnológicas. As decisões da Comissão Europeia constituem, em princípio, prova vinculativa de que o comportamento ocorreu e foi ilegal, facilitando ações judiciais posteriores.
Para a Google, que registou receitas publicitárias de 248 mil milhões de euros em 2024, representando 75,6% das receitas totais, estas multas e indemnizações, embora significativas, não representam um impacto financeiro devastador. No entanto, o dano reputacional e as restrições operacionais impostas pelos reguladores podem ter consequências mais profundas a longo prazo.
Enquanto a batalha legal continua, as plataformas de comparação de preços alemãs celebram uma vitória parcial, mas deixam claro que não vão desistir até receberem o que consideram ser a compensação total pelos anos de concorrência desleal.








