A Netflix confirmou esta sexta-feira um acordo para adquirir a Warner Bros., incluindo os seus estúdios de cinema e televisão, a HBO e a HBO Max, numa transação avaliada em aproximadamente 82,7 mil milhões de dólares. O anúncio chega depois de semanas de especulação intensa e várias rondas de licitação, com a Netflix a emergir vitoriosa sobre rivais como a Paramount e a Comcast.
O acordo foi oficialmente anunciado durante a madrugada pela Bloomberg e confirmado pela Netflix esta manhã, marcando não apenas a maior aquisição de sempre da plataforma de streaming, mas também um dos negócios mais significativos da história do entretenimento moderno. A transação tem um valor empresarial total de 82,7 mil milhões de dólares e um valor patrimonial de 72 mil milhões.
A estrutura do negócio prevê o pagamento de 27,75 dólares por ação da Warner Bros. Discovery aos acionistas, divididos em 23,25 dólares em dinheiro e aproximadamente 4,50 dólares em ações da Netflix. Ted Sarandos, co-CEO da Netflix, destacou numa conferência com analistas que, embora a empresa tenha historicamente sido mais focada em construir do que comprar, esta aquisição representa uma oportunidade única.
“A nossa missão sempre foi entreter o mundo”, afirmou Sarandos em comunicado oficial. “Ao combinar a incrível biblioteca de programas e filmes da Warner Bros. com os nossos títulos que definem a cultura como Stranger Things e Squid Game, poderemos fazê-lo ainda melhor. Juntos, podemos dar ao público mais daquilo que adora e ajudar a definir o próximo século de narrativas”.
O que fica com a Netflix
Para os subscritores da Netflix, este acordo representa uma injeção de propriedade intelectual sem precedentes. A plataforma passará a ter acesso exclusivo a algumas das maiores franquias da história de Hollywood, incluindo Harry Potter, o Universo DC com Batman, Superman e Wonder Woman, além do catálogo completo da HBO que inclui séries como The Sopranos, Game of Thrones, House of the Dragon, The Last of Us e Succession.
O acordo também traz clássicos do cinema como Casablanca, Citizen Kane, O Feiticeiro de Oz e The Matrix, juntamente com comédias gigantes como The Big Bang Theory e Friends. Greg Peters, o outro co-CEO da Netflix, enfatizou que a aquisição foi desenhada para acelerar o negócio, utilizando “executivos criativos e capacidades de produção fenomenais” da Warner Bros.
Num detalhe importante para a indústria cinematográfica, a Netflix afirmou explicitamente que espera “manter as operações atuais da Warner Bros. e construir sobre os seus pontos fortes, incluindo lançamentos de filmes”. Atualmente, a Warner Bros. tem acordos para lançar os seus filmes em cinemas até 2029, uma prática que a Netflix promete continuar, pelo menos no curto prazo.
Durante a conferência com analistas, Sarandos tentou dissipar preocupações sobre o futuro dos filmes da Warner Bros. “Não é como se tivéssemos esta oposição aos filmes nos cinemas”, disse. “A minha resistência tem sido principalmente em relação às longas janelas exclusivas, que não achamos muito favoráveis ao consumidor, mas quando falamos sobre manter a HBO a operar, em grande parte como está, isso também inclui o seu acordo de output de filmes com a Warner Bros., que inclui um ciclo de vida que começa no cinema, o que vamos continuar a apoiar”.
No entanto, a Cinema United, a maior associação comercial de exibição do mundo, que representa mais de 30.000 cinema em todos os 50 estados americanos, já expressou preocupações. “A aquisição proposta da Warner Bros. pela Netflix representa uma ameaça sem precedentes para o negócio de exibição global”, afirmou a organização num comunicado citado pela IndieWire.
O que não vem incluído
É importante notar que a Netflix não está a comprar tudo. Antes de fechar a aquisição, a Warner Bros. Discovery vai separar a sua divisão Global Networks numa nova empresa de capital aberto chamada Discovery Global. Esta nova entidade incluirá a CNN, a TNT Sports, o Discovery Channel, ativos da HGTV e Food Network, a Discovery+ e a Bleacher Report.
A separação está agora prevista para o terceiro trimestre de 2026, e só depois disso a transação com a Netflix poderá ser concluída. As empresas estimam que o negócio esteja fechado num prazo de 12 a 18 meses a partir de hoje.
Os obstáculos regulatórios
O caminho até à aprovação final não será fácil. Vários políticos americanos já levantaram preocupações antitruste sobre a potencial consolidação. Em novembro, três senadores, Elizabeth Warren, Richard Blumenthal e Bernie Sanders, enviaram uma carta à Divisão Antitruste do Departamento de Justiça alertando que qualquer potencial fusão da Warner Bros. poderia estar comprometida por “favoritismo político e corrupção”.
O congressista Darrell Issa também enviou uma carta à procuradora-geral Pam Bondi no mesmo mês, advertindo que fundir a Netflix com a HBO Max criaria uma empresa com mais de “30 por cento do mercado de streaming: um limiar tradicionalmente visto como presumivelmente problemático sob a lei antitruste”.
De acordo com registos na SEC, a Netflix concordou em pagar uma taxa de rescisão de 5,8 mil milhões de dólares se o negócio não for aprovado pelas autoridades reguladoras. Por outro lado, a Warner Bros. Discovery pagaria uma taxa de rescisão de 2,8 mil milhões se decidir cancelar o negócio para perseguir uma fusão diferente.
Especialistas antitruste europeus citados pela Deadline acreditam que, embora a fusão vá certamente ser investigada pela União Europeia, é improvável que seja bloqueada, embora possam ser impostas condições. Guy Bisson, diretor executivo da Ampere Analysis, sugeriu que obter aprovação da UE pode exigir uma concessão dramática da Netflix: “Não acho que as operações de estúdio da Warner mais a Netflix sejam particularmente problemáticas, mas a Netflix mais a Max pode ser o ponto crítico, um problema que deve ser solucionável potencialmente vendendo essa operação”.
Impacto financeiro
A Netflix afirmou que espera ver poupanças de custos de 2 a 3 mil milhões de dólares anualmente até ao terceiro ano após o fecho do negócio. A empresa também prevê que a transação seja acresciva aos lucros por ação no segundo ano. A transação foi aprovada unanimemente pelos conselhos de administração tanto da Netflix como da Warner Bros. Discovery.
As ações da Netflix caíram mais de 2% nas negociações matinais, enquanto as ações da Warner Bros. Discovery subiram cerca de 3%. David Zaslav, presidente e CEO da Warner Bros. Discovery, comentou: “O anúncio de hoje combina duas das maiores empresas de narrativa do mundo para levar a ainda mais pessoas o entretenimento que mais adoram assistir. Ao unir-nos com a Netflix, garantiremos que as pessoas em todos os lugares continuarão a desfrutar das histórias mais ressonantes do mundo por gerações”.
A Paramount, que também estava entre os licitantes finais, levantou questões sobre a “justiça e adequação” do processo de venda, alegando que a Warner Bros. Discovery favoreceu a Netflix. “Tornou-se cada vez mais claro, através de reportagens nos media e de outra forma, que a WBD parece ter abandonado a aparência e a realidade de um processo de transação justo”, afirmaram os advogados da Paramount numa carta à administração da Warner Bros. Discovery, citada pelo Wall Street Journal.
Este é sem dúvida um momento decisivo para Hollywood. Como observou um relatório recente do Bank of America citado pela CNN: “Se a Netflix adquirir a Warner Bros., as guerras do streaming estão efetivamente terminadas. A Netflix tornar-se-ia a potência global indiscutível de Hollywood, para além da sua posição já elevada”.
