A polémica em torno de Monster Hunter Wilds atingiu proporções alarmantes no Japão, onde os programadores da Capcom têm sido alvo de ameaças de morte e ataques pessoais que ultrapassaram largamente os limites da crítica construtiva ao videojogo.
O mais recente título da popular série de caça a monstros tem enfrentado severas críticas devido a problemas técnicos persistentes e uma jogabilidade considerada dececionante pelos fãs. No Steam, o jogo apresenta atualmente uma classificação “Extremamente Negativa” baseada em mais de 20.000 avaliações de jogadores apenas no último mês, com as redes sociais oficiais inundadas de pedidos urgentes para correções.
Contudo, a situação degenerou quando as críticas se tornaram pessoais, visando diretamente os programadores e designers por trás do projeto. A gravidade da situação chamou a atenção dos principais meios de comunicação japoneses, incluindo o jornal The Sankei Shimbun, que reportou o fenómeno crescente de assédio na indústria dos videojogos.
No início deste mês, a Capcom emitiu um comunicado oficial sobre a sua Política Anti-Assédio ao Cliente, revelando que os seus funcionários têm sido confrontados com assédio, ameaças de violência física e até tentativas de perturbação das operações comerciais da empresa. Particularmente preocupante é o facto de muitas destas ameaças serem dirigidas nominalmente a programadores específicos.
A empresa japonesa advertiu que tomará medidas legais sempre que as críticas excedam “os padrões socialmente aceitáveis“, um aviso que, pelo timing, parece estar diretamente relacionado com a controvérsia à volta de Monster Hunter Wilds.
Como medida de precaução, a Capcom cancelou também uma apresentação técnica na conferência CEDEC, onde os seus engenheiros iriam discutir as otimizações do jogo, numa decisão que muitos interpretam como uma medida de segurança para proteger os seus funcionários.
Capcom cancela apresentação técnica de Monster Hunter Wilds devido a ameaças contra funcionários
O jornal Sankei Shimbun documentou alguns dos comentários mais agressivos direcionados aos criadores, citando mensagens como “Morre“, “Ajoelha-te” e “Escumalha incompetente” como exemplos da linguagem violenta utilizada contra programadores individuais.
Hideki Yasuda, analista da indústria de videojogos na Toyo Securities, oferece uma perspetiva sobre esta escalada: “Sempre foi comum alguns fãs descarregarem a frustração quando a qualidade de um jogo não corresponde às expectativas. Mas nos últimos anos, as empresas têm cada vez mais colocado criadores individuais em destaque como estratégia de marketing, transformando-os em alvos públicos“.
O especialista aponta ainda para um desfasamento entre as exigências sociais e o comportamento online: “Com a proliferação das redes sociais, a sociedade exige agora o mesmo nível de conduta moral online que na vida real, mas no que toca aos videojogos, a consciencialização dos utilizadores ainda não acompanhou esta mudança“.
Esta tendência preocupante não se limita à Capcom. Outras grandes editoras japonesas como Square Enix, Sega e Level-5 têm publicado políticas similares contra o assédio de clientes. A Sega chegou mesmo a anunciar publicamente que tomou medidas legais contra um indivíduo que fez “comentários difamatórios e insultuosos excessivos” sobre um funcionário.
O contexto japonês torna esta situação ainda mais sensível, com a memória ainda fresca do ataque incendiário ao estúdio Kyoto Animation, que custou a vida a 36 pessoas e serve como um lembrete sombrio de como ameaças aparentemente aleatórias online podem resultar em tragédias reais.
Incendiário da Kyoto Animation foi condenado a Pena de Morte
A situação levanta questões importantes sobre os limites entre crítica legítima e assédio pessoal na era digital, especialmente numa indústria onde a paixão dos fãs pode facilmente transformar-se em comportamentos tóxicos quando as expectativas não são correspondidas.
