
Numa guinada surpreendente, Epic Games e Google anunciaram um acordo que põe fim à batalha judicial que se arrastava há anos. O mais impressionante? A Google não só aceitou abrir a sua loja de aplicações a concorrentes como vai reduzir drasticamente as comissões cobradas aos programadores.
Tim Sweeney, CEO da Epic Games, não escondeu o entusiasmo no Twitter: “A Google fez uma proposta incrível”. O acordo ainda precisa da aprovação do juiz James Donato, que tinha ordenado anteriormente mudanças radicais no ecossistema Android, mas ambas as empresas mostram-se confiantes.
O que muda na prática
A transformação mais significativa acontece nas comissões. A Google vai baixar as taxas padrão para 20% ou 9%, dependendo do tipo de transação. Para compras dentro de aplicações que não dão vantagens significativas no jogo, a taxa será de apenas 9%. Já as compras que concedem benefícios importantes no gameplay ficam nos 20%.
Há ainda outro pormenor relevante: se os programadores optarem por sistemas de pagamento alternativos, pagarão zero de comissões à Google sobre essas transações. Dan Jackson, porta-voz da empresa, confirmou que “se o utilizador escolher pagar através de um sistema alternativo, o programador não paga qualquer taxa de faturação à Google”.
Atualmente, a Google cobra 15% sobre subscrições e 15% sobre o primeiro milhão de dólares de receita anual de cada programador, subindo para 30% depois desse valor. A redução representa uma mudança substancial no modelo de negócio.

Lojas alternativas vão ter acesso facilitado
Talvez a alteração mais revolucionária seja a criação do programa “Registered App Stores”. A partir da próxima versão principal do Android, lojas alternativas poderão registar-se junto da Google e tornarem-se, pelo menos em teoria, cidadãs de primeira classe no ecossistema.
Os utilizadores poderão instalar estas lojas registadas através de um simples clique num ecrã, sem os avisos de segurança intimidantes que a Epic sempre acusou de serem barreiras artificiais à concorrência. Este sistema vai estar disponível até junho de 2032, seis anos e meio, ao contrário dos três anos que o juiz Donato tinha determinado inicialmente.
Outro ponto importante: estas lojas alternativas terão acesso ao catálogo completo de aplicações da Google Play. Na prática, isto significa que uma loja rival poderá oferecer as mesmas apps que a Play Store, criando verdadeira concorrência.
Enquanto a decisão judicial de Donato só se aplicava aos Estados Unidos, este novo acordo tem alcance mundial. As mudanças no Android e as comissões reduzidas vão estar disponíveis em todos os países onde a Google opera, o que amplifica enormemente o impacto.
Sameer Samat, presidente do Android na Google, sublinhou que o acordo “foca na expansão da escolha e flexibilidade dos programadores, redução de taxas e incentivo à concorrência, mantendo os utilizadores seguros”.
A Epic sempre argumentou que um dos grandes problemas das restrições impostas pela Google era precisamente o facto de dificultarem que lojas alternativas ganhassem a escala necessária para competir efetivamente. Com o acordo a aplicar-se globalmente, essa barreira desaparece.
Os pagamentos alternativos ganham espaço
O acordo mantém uma peculiaridade: os programadores terão de continuar a oferecer o Google Play Billing como opção de pagamento, mas agora poderão apresentar alternativas lado a lado. Mais importante ainda, terão liberdade para definir preços diferentes consoante o método escolhido pelo utilizador.
Isto abre a porta a que os programadores ofereçam descontos a quem optar por métodos de pagamento fora do controlo da Google, algo que poderá pressionar ainda mais as margens da empresa.
Curiosamente, a Google mantém o direito teórico de cobrar uma taxa mesmo quando os utilizadores são redirecionados para websites externos para efetuar compras, desde que essa compra aconteça nas 24 horas seguintes ao clique. No entanto, não está claro se a empresa pretende exercer esse direito na prática.
O acordo preserva conquistas importantes que a Epic já tinha garantido em tribunal. A Google continua proibida de partilhar dinheiro ou benefícios com fabricantes de telemóveis, operadoras e programadores em troca de exclusividade ou pré-instalação da Play Store.
Os programadores também mantêm o direito de comunicar diretamente com os seus clientes sobre preços e ofertas fora da Play Store, quebrando mais uma camada do controlo que a Google exercia sobre o ecossistema.

E agora?
Google e Epic vão apresentar a proposta ao juiz Donato já na quinta-feira, dia 6 de novembro. Se aprovada, poderá estabelecer um precedente que force outras plataformas a repensar os seus modelos de negócio.
Tim Sweeney não perdeu a oportunidade de alfinetar a Apple, afirmando que este acordo “contrasta com o modelo da Apple de bloquear todas as lojas concorrentes”. A Apple continua a resistir ferrenhamente a qualquer abertura significativa do iOS, apesar das pressões regulatórias crescentes.
Resta saber se comissões mais baixas no Android vão criar pressão suficiente sobre a Apple, Sony, Microsoft, Nintendo e Valve para reverem as suas próprias taxas. O efeito dominó pode estar apenas a começar.








