
Uma conversa casual entre amigos otaku deu origem a um dos mangás românticos mais populares dos últimos anos. Fujita, a mente criativa por trás de Wotakoi: Love Is Hard for Otaku (Otaku ni Koi wa Muzukashi), partilhou recentemente detalhes fascinantes sobre o processo de criação da obra durante o evento Kodansha House em Nova Iorque.
“Eu e os meus amigos estávamos simplesmente a conversar sobre a vida quotidiana, relacionamentos, e que tipo de relação nos entusiasmaria”, explica Fujita. O momento decisivo chegou quando levantou a mão e declarou que iria escrever um mangá sobre o tema. O que começou como uma experiência no Pixiv, uma plataforma onde artistas publicam trabalho próprio gratuitamente, rapidamente chamou a atenção da editora Ichijinsha.
A série segue um homem que secretamente é um gamer dedicado e uma mulher que esconde a sua paixão por fujoshi, enquanto navegam os desafios de relacionamentos e das suas vidas profissionais. Fujita admite que muito do conteúdo reflete não apenas as suas experiências pessoais, mas especialmente as conversas com o seu círculo de amigos otaku. “Eu queria retratar essas conversas numa resolução muito alta no mangá”, revela.
O desafio de passar do gratuito para o comercial
A transição do Pixiv para a publicação impressa trouxe preocupações inesperadas. Fujita tinha receio de não poder continuar a oferecer as histórias gratuitamente aos leitores. A solução encontrada foi engenhosa: criar conteúdo extra exclusivo para quem comprasse os volumes físicos. “Uma das coisas mais importantes para mim era não reduzir a experiência de ler o conteúdo gratuito, mas sim adicionar valor se comprasses o formato físico”, explica.
A mudança de plataforma também exigiu ajustes artísticos significativos. Enquanto o conteúdo do Pixiv se focava principalmente nas personagens com pouca atenção aos fundos, a publicação profissional exigiu muito mais. “Tive de realmente melhorar os fundos com a ajuda da minha assistente para tornar a obra muito mais completa”, admite Fujita.
A decisão de centrar a história em personagens adultos no ambiente de trabalho não foi acidental. Quando começou a série, Fujita tinha aproximadamente a mesma idade das personagens. “Para enfatizar o facto de que existem adultos crescidos mas que ainda têm um lado jovem e gostam dos seus hobbies, as personagens principais tinham de ser adultas”, justifica.
Esta escolha teve consequências inesperadas. Fujita confessa sentir-se “um pouco mal” quando leitores mais jovens partilham que imaginavam a vida adulta como muito mais divertida depois de lerem Wotakoi, como se tivesse criado expectativas irrealistas.
Quanto aos “segredos” das personagens, Fujita tem uma perspetiva pragmática. “Todos nós temos uma espécie de lado secreto. Mas não é que tenham um lado obscuro, é apenas que existem coisas sobre nós próprios que são um pouco embaraçosas ou privadas, que realmente não queremos partilhar com muitas pessoas”. A intenção era criar compreensão mútua de que é normal ter estes lados e sermos gentis uns com os outros.
Comédia acima de tudo
Quando questionada sobre o equilíbrio entre elementos cómicos, românticos e sérios, Fujita é surpreendentemente honesta. Numa escala de 10, atribui 8 à comédia, 1,5 ao romance e apenas 0,5 à seriedade. “Tento evitar os aspetos em que não sou muito boa, e não sinto que o romance ou a seriedade sejam os meus pontos fortes”, admite sem rodeios.
A comédia nunca recebeu feedback negativo dos editores, e Fujita adora o género. No entanto, quando as personagens enfrentam lutas pessoais ou algo mais profundo, havia uma linha a não cruzar. “Não queria tratar isso de forma leviana. Não queria fazer parecer que estava a gozar com elas”.
As personagens de apoio foram cuidadosamente construídas para preencher lacunas nas principais. Taro e Hanako, mais velhos que os protagonistas Narumi e Hirotaka, já passaram pelas fases de vida que estes atravessam atualmente, oferecendo conselhos valiosos. Por outro lado, o irmão mais novo de Hirotaka, Ko e Naoya, estão numa fase que os protagonistas já ultrapassaram, invertendo a dinâmica de aconselhamento.
“Imagino durante esses momentos que se algo estivesse a incomodar Naoya, então Narumi provavelmente diria algo para lhe dar conselho. Essa é a progressão natural que tive para desenvolver cada uma destas personagens”, explica Fujita.
Uma história que começou com fim à vista
Ao contrário de muitos mangás românticos que prolongam o suspense do “vão ou não ficar juntos”, Wotakoi estabelece o relacionamento logo no início. Esta escolha estava diretamente relacionada com as origens da obra. “Não ia realmente continuar esta série durante muito tempo no início”, revela Fujita. A história poderia ter terminado no primeiro volume, quando as personagens otaku se reencontram, comunicam, aproximam-se e ficam juntas.
O facto de ter chegado ao volume 11 deve-se à Ichijinsha que apostou no título e aos fãs de todo o mundo que apoiaram a série. A Kodansha USA publicou os 11 volumes em inglês, enquanto a série também ganhou uma adaptação para anime entre abril e junho de 2018 e um filme live-action em 2020.
A jornada de Fujita desde uma submissão pessoal no Pixiv até um fenómeno global mostra como histórias autênticas sobre experiências quotidianas podem ressoar com públicos muito além das fronteiras originais.









