
A notícia chegou esta semana através do terceiro volume de Kamakura Bakeneko Kurabu, o mangá de Daisuke Igarashi vai chegar ao fim no outono de 2026 com o lançamento do quarto e último volume.
Para quem não conhece, Kamakura Bakeneko Kurabu é um mangá cuja história se desenrola à volta de um rumor antigo na cidade de Kamakura. Segundo a lenda urbana, existe algures um café misterioso, o Bakeneko Club, onde as pessoas podem reencontrar os seus gatos perdidos. Maya e Gakuto são dois funcionários peculiares deste estabelecimento que diariamente recebem donos de animais guiados por este estranho boato.
A história mistura elementos de folclore japonês com narrativas contemporâneas, centrando-se nas interações entre humanos, gatos comuns e bakeneko, criaturas sobrenaturais da mitologia japonesa com capacidade de mudar de forma. O que começou como um one-shot em outubro de 2021 nas páginas da revista Be Love da Kodansha transformou-se numa série regular em junho de 2022.
Daisuke Igarashi não é exatamente um nome desconhecido no mundo do mangá. O artista, nascido em 1969 em Saitama, é reconhecido internacionalmente pelo seu trabalho meticuloso na representação da natureza combinada com temas espirituais e surreais. A sua obra mais celebrada continua a ser Children of the Sea (Kaijū no Kodomo), publicada entre 2007 e 2011 na revista IKKI da Shogakukan, e que em Portugal é publicado pela editora Devir sob o título Crianças do Mar.
Children of the Sea conquistou múltiplos reconhecimentos, recebeu o prémio de excelência nos 38th Japan Cartoonist Awards em 2009, foi distinguido com um Excellence Prize no 13th Japan Media Arts Festival também em 2009, e obteve nomeações da American Library Association’s Young Adult Library Services Association e da School Library Journal. A série foi adaptada para filme anime pelo Studio 4°C em 2019, recebendo ainda mais atenção internacional.
O percurso de Igarashi no mundo dos mangás começou em 1993, quando venceu o prémio Afternoon Shiki Shō com a história curta “Ohayashi ga kikoeru hi”. Formado em pintura a óleo pela Tama Art University, o artista teve como colega de turma Hiroaki Samura, embora só se tenham conhecido melhor mais tarde enquanto trabalhavam para a mesma revista.
Uma característica distintiva do trabalho de Igarashi é a sua abordagem independente, ao contrário da maioria dos artistas de mangá, trabalha sem assistentes. O seu processo começa com um esboço a lápis, seguido de tinta com caneta maru, preenchendo detalhes com esferográfica. Frequentemente desenha paisagens diretamente a esferográfica, sem esboço prévio, e adiciona palavras de som com pincel. No final, aplica screentone e raspa efeitos de luz ou usa-o para fazer o ponto focal do desenho sobressair.
Entre as suas influências, Igarashi menciona frequentemente Hinako Sugiura como a sua mangaká favorita, tendo também lido muito Akira Toriyama e Rumiko Takahashi. Mas foi o filme My Neighbor Totoro de Hayao Miyazaki que o ajudou a perceber que “estava tudo bem em focar-se totalmente em desenhar mangá sobre coisas assim”.
Outras obras notáveis incluem Little Forest (2002-2005), baseada nas suas próprias experiências de viver três anos de forma autárquica no campo da prefeitura de Iwate, e que foi adaptada em dois filmes live-action no Japão (2014 e 2015) e outro na Coreia do Sul em 2018. Há também Witches (Majo), publicada entre 2004 e 2005, que recebeu o Excellence Prize no 2004 Japan Media Arts Festival.
Kamakura Bakeneko Kurabu marca um ponto de viragem interessante na carreira do artista, é a primeira vez que trabalha numa revista josei (direcionada a mulheres adultas), neste caso a Be Love da Kodansha. A série tem vindo a ser publicada desde 2022, tendo já três volumes compilados no mercado japonês. O terceiro volume foi lançado a 12 de dezembro de 2025.
A decisão de terminar a série no quarto volume pode parecer surpreendente para alguns, mas não é incomum em mangás publicados em revistas mensais josei como a Be Love. Muitas vezes, os autores preferem contar histórias mais concisas e completas em vez de prolongarem indefinidamente as narrativas. Considerando o ritmo de publicação e o estilo narrativo de Igarashi, que tende a focar-se em momentos contemplativos e na construção atmosférica em vez de arcos de ação prolongados, quatro volumes podem ser o espaço perfeito para a história que quer contar.
O trabalho de Igarashi em Kamakura Bakeneko Kurabu continua a sua tradição de explorar a relação entre o mundo natural e o sobrenatural, desta vez através da lente da cultura urbana japonesa e dos seus mitos persistentes. Os bakeneko, como figuras do folclore japonês, oferecem-lhe o veículo perfeito para explorar temas de perda, memória e a ligação emocional que as pessoas mantêm com os seus animais de estimação.









