Um relatório recente da organização sem fins lucrativos Pen America trouxe à luz dados preocupantes sobre censura em ambiente escolar. Assassination Classroom (Ansatsu Kyoshitsu), o popular mangá de Yusei Matsui, foi alvo de remoção em bibliotecas de escolas públicas americanas pelo menos 54 vezes ao longo do presente ano letivo.
Os números podem ser ainda mais alarmantes do que aparentam. Cada volume individual conta como uma instância separada no relatório, mas existem casos onde distritos escolares baniram a série completa de 21 volumes, contabilizados apenas como um único episódio. A lista de zonas educativas envolvidas inclui Hillsborough County Public Schools na Florida, Oak Ridge Schools no Tennessee, Pennridge School District na Pensilvânia, North East Independent School District no Texas, Horry County Schools na Carolina do Sul, e vários outros distritos no Texas e Tennessee.
A história por trás destes banimentos ganhou particular destaque no caso de Horry County Schools. Em novembro de 2024, após a queixa de uma mãe cujo filho frequentava o nono ano na Socastee High School, o distrito decidiu avançar com a remoção. Jennifer Hannigan, a progenitora que apresentou a reclamação, apontou várias preocupações sobre o conteúdo: páginas com representações de armas de fogo, facas e venenos, além de meninas em lingerie sobre homens e discussões constantes sobre formas de matar o professor alienígena que protagoniza a narrativa.
O enredo de Assassination Classroom gira precisamente em torno dessa premissa, uma turma de alunos recebe a missão de assassinar o seu professor, um ser aparentemente extraterrestre com superpoderes que ameaça destruir a Terra no final do ano letivo. A natureza violenta e as situações ambíguas da obra tornaram-na um alvo fácil para grupos conservadores.
Em Portugal o mangá Assassination Classroom foi publicado pela editora Devir
Este mangá não está sozinho na mira dos censores. O relatório da Pen America documenta dezenas de outras obras japonesas removidas de bibliotecas escolares no mesmo período. Attack on Titan, Bleach, Black Butler, Dragon Ball, Naruto, One Piece e Jujutsu Kaisen são apenas alguns dos títulos que enfrentaram banimentos. A lista estende-se a obras menos mainstream como Boys Run the Riot, Blue Period e Bungo Stray Dogs, demonstrando que a onda de censura não discrimina entre géneros ou públicos-alvo.
A obra de Matsui foi originalmente publicada na Weekly Shonen Jump entre 2012 e 2016, conquistando enorme popularidade que resultou em duas temporadas anime em 2015 e 2016, com 22 e 25 episódios respetivamente. Um filme estreou no Japão em novembro de 2016, e está previsto um novo filme para 20 de março de 2026, celebrando o décimo aniversário do anime.
Anunciado novo filme anime de Assassination Classroom em 2026
A situação agrava-se quando olhamos para o contexto legislativo. O Utah implementou em agosto de 2024 uma lei que baniu 13 livros de todas as escolas públicas do estado, baseando-se no princípio de que se pelo menos três conselhos distritais considerarem uma obra pornográfica ou indecente, esta deve ser banida nos 41 distritos escolares. Segundo a Associated Press, Tennessee, Idaho e Carolina do Sul possuem legislação semelhante que permite banimentos a nível estadual.
Os casos não se limitam ao mangá shonen tradicional. Em agosto de 2024, a Brevard Public Schools Board na Florida baniu o primeiro volume de Sasaki and Miyano, um mangá boys-love de Shō Harusono. A justificação incluiu argumentos de que “orientação sexual não deve ser encorajada, sugerida ou implantada” nos jovens, preocupações sobre conteúdo explícito inadequado para a idade, e a alegação de que “não há valor em disponibilizar livros homossexuais na escola”.
Já em março de 2023, a Gifford Middle School na Florida oriental tinha removido Assassination Classroom após queixas de grupos organizados. No mesmo mês, o Elmbrook School District no sudeste de Wisconsin retirou o mangá da sua biblioteca eletrónica após a reclamação de um progenitor. A série enfrentou contestações semelhantes noutros estados, criando um padrão preocupante.
A política do distrito de Horry County estabelece que as decisões do Comité Distrital de Reconsideração, bem como eventuais revisões do conselho local, não podem ser contestadas durante cinco anos. Os livros foram temporariamente removidos das bibliotecas em outubro de 2024, durante o período de análise, numa medida que muitos críticos consideram censura prévia.
O fenómeno levanta questões sobre liberdade de expressão, acesso à informação e o papel dos pais versus instituições educativas na curadoria de conteúdos. Enquanto alguns defendem a proteção de menores contra material considerado inadequado, outros alertam para o perigo de censura generalizada que limita o acesso cultural dos jovens a obras reconhecidas internacionalmente.