Desde as suas origens com Atelier Marie em 1997, a série Atelier tem evoluído de forma consistente, de aventuras modestas centradas na alquimia para narrativas cada vez mais ricas e envolventes. Embora ainda pertença ao nicho dos JRPGs, o sucesso da trilogia Atelier Ryza expandiu significativamente o seu alcance, atraindo uma nova geração de jogadores que elevou a franquia a um novo patamar.
A mais recente entrada da série, Atelier Yumia: The Alchemist of Memories & the Envisioned Land, desenvolvida pela Gust e Koei Tecmo, reflete com clareza esse amadurecimento. Neste capítulo, o estúdio preserva a fórmula tradicional centrada na alquimia, ao mesmo tempo que introduz inovações na jogabilidade e aposta numa narrativa mais introspectiva e emocionante.

A história acompanha a jornada de Yumia Liessfeldt, uma astuta alquimista que procura descobrir a verdade sobre os eventos que destruíram o antigo Império de Aladiss. A sua aventura começa essencialmente depois de se juntar a uma equipa de expedição, que ao longo da jornada vai angariando novos aliados que a ajudam no seu objetivo.
O jogo apresenta uma abordagem surpreendentemente madura e envolvente em termos narrativos. Um dos elementos mais fascinantes é a protagonista, Yumia, que se distancia do arquétipo clássico da alquimista iniciante tão comum da série. Aqui, temos uma jovem consciente do que se passa ao seu redor, vivendo num continente marcado por uma tragédia que levou à proibição da alquimia. É um jogo que se foca em temas como perda e peso do legado, e principalmente nas “memórias”, que vão manifestando não só os mistérios por detrás dos eventos antes da ruína, como também as memórias da própria protagonista.
Outro aspecto importante é o desenvolvimento dos companheiros que acompanham Yumia. Ainda que a estrutura da narrativa siga um padrão familiar, cada membro da expedição apresenta conflitos pessoais e motivações distintas, permitindo uma progressão orgânica das relações entre eles e a protagonista. Essa evolução é particularmente evidente nas interações durante a exploração das ruínas do império, tanto nas missões principais quanto em algumas tarefas secundárias.
Apesar do jogo apresentar uma narrativa mais série e madura, à espaço para o característico humor da série.
Por outro lado, as restantes missões são demasiado genéricas. Estas tendem a seguir uma estrutura excessivamente repetitiva, limitando-se a sequências do tipo “vá até a um local, entregue o item X” ou “derrote um inimigo especifico”. Embora sirvam para adquirir experiência e materiais, são tarefas que carecem de criatividade e não contribuem de forma significativa para a narrativa.

O que ocupa grande parte do nosso tempo é a exploração, que se baseia num grande mapa aberto com regiões diferentes, cada uma com características próprias que incentivam à descoberta dos segredos. Como é habitual, diversos elementos estão assinalados diretamente no mapa, o que facilita a navegação, desde pontos de interesse e missões secundárias até eventos ligados aos nossos companheiros.
Para além de atividades como shrines por ativar ou testes de força contra monstros poderosos, as ruínas espalhadas pelo continente representam o principal foco da exploração. Geralmente contêm pequenos quebra-cabeças ambientais, tesouros, ou acesso a novas áreas. Há também uma variedade de locais funcionais, como pontos de viagem rápida, ziplines e zonas onde é possível montar bases temporárias ou acampamentos.
Neste campo, temos ainda introduzidas diversas facilidades apreciáveis que tornam a exploração mais acessível e divertida. Yumia é uma protagonista ágil e versátil, capaz de alcançar facilmente locais elevados ou distantes e de apanhar recursos sem a necessidade das ferramentas tradicionais da série, bastando apenas usar o seu bastão ou disparos à distância com a sua pistola mágica. Estas mecânicas tornam a experiência especialmente fluida e dinâmica. Além disso, mais adiante no jogo, é possível desbloquear a Procella, uma moto que pode ser invocada rapidamente e permite atravessar o mapa a grande velocidade.

A alquimia segue a filosofia dos seus antecessores, continuando a ser primordial para a experiência, mas desta vez com uma abordagem mais intuitiva e narrativa. Como é habitual, cada ingrediente, qualidade e efeito importa, mas estas mecânicas são apresentadas de forma mais acessível, com vários tutoriais que nos esclarecem sobre as suas funcionalidades.
A principal novidade está na forma como as memórias que capturamos durante a aventura influenciam a alquimia. Certas receitas e propriedades só são desbloqueadas quando recuperamos certos fragmentos do passado, ligando diretamente o ato de sintetizar itens à progressão emocional da protagonista.
No caso de não apreciarem ou perceberem bem como funciona este sistema, podem sempre usufruir da função automática para criar os itens. É uma ferramenta que utilizei várias vezes ao longo do jogo, especialmente nos momentos em que queria dar prioridade à exploração ou simplesmente mergulhar um pouco mais a fundo na narrativa, sem interromper o ritmo com longas sessões de síntese.
Outro elemento novo e bastante útil que contribui para a fluidez da experiência é a introdução das sínteses rápidas durante a exploração. Utilizando a mana disponível da nossa protagonista, é possível criar no momento itens essenciais como poções de cura, munições para a arma de Yumia, luvas para usar nas ziplines, entre outros recursos indispensáveis para superar obstáculos no ambiente.
Uma das adições a Atelier Yumia: The Alchemist of Memories & the Envisioned Land é o sistema de construção, que agradará certamente aos fãs de Sims. Durante a jornada, podemos construir estruturas em pontos específicos do mapa, seja de raiz ou aderir às construções automáticas. Cada construção serve um propósito prático, facilitando a progressão e reduzindo a dependência constante de ir ao nosso atelier principal. Dentro destes espaços é possível descansar, decorar, criar itens, gerir o grupo e recuperar energia.
Foi uma área à qual dediquei pouco tempo. Assim como na síntese, preferi utilizar os modelos pré-definidos disponíveis no catálogo para decorar e melhorar as minhas bases, já que o sistema de construção manual nem sempre respondeu da forma esperada e na maioria das vezes tornou-se um pouco frustrante.

Assim como na exploração, o sistema de combate é bastante fluido, representando uma ótima evolução em relação a Atelier Ryza. As lutas acontecem em tempo real, com os personagens sempre em movimento dentro de uma área específica ao redor dos inimigos. A mecânica permite esquivas rápidas, contra-ataques, ataques combinados, utilizar magias e oferece a possibilidade de alternar entre ataques corpo a corpo e à distância, o que adiciona uma camada estratégica ao combate.
Somos incentivados também a trocar de personagens durante os combates, permitindo explorar os seus estilos e as fraquezas dos inimigos. Alguns personagens são mais ágeis, outros focados na defesa ou em habilidades mágicas. A troca entre personagens é rápida e eficiente, o que abre espaço para novas combinações interessantes, que nos permite adaptar rapidamente às mudanças no campo de batalha.
O único ponto negativo que posso destacar no combate é a falta de profundidade à medida que o jogo avança. Os inimigos acabam por se tornar repetitivos com o tempo, e, após determinado momento da história, a inteligência artificial dos adversários torna-se previsível.
Visualmente, o estúdio preserva a identidade visual característica da série, mas adotando uma direção mais atmosférica e melancólica que complementa os principais temas abordados em jogo. Assim como na trilogia Atelier Ryza, Atelier Yumia é um jogo apelativo, com cenários vibrantes e estilizados que se destacam pela fantasia e variedade estética em cada região explorada. Os modelos dos personagens estão especialmente bem trabalhados, com um bom nível de detalhe que se destaca tanto nas roupas como nas expressões faciais.
Os efeitos visuais aplicados durante a alquimia e os combates também estão muito bem conseguidos, com partículas, brilhos e transições fluídas que tornam os momentos de fantasia do jogo mais interessantes de se apreciar.
Atelier Yumia com mais de 300.000 cópias vendidas na primeira semana de lançamento.
No entanto, do ponto de vista técnico, o título ainda apresenta limitações visíveis desde os primeiros momentos. As texturas associadas a elementos decorativos dos cenários, como vegetação, estruturas e objetos de fundo, muitas vezes possuem baixa resolução, o que destoa do cuidado visual aplicado aos personagens e aos efeitos principais. Embora isso não comprometa de forma severa a experiência, nem prejudique a beleza dos ambientes, sugere que o motor gráfico utilizado pela Gust, mesmo com aprimoramentos graduais, ainda demonstra algumas limitações. Já a banda sonora de Atelier Yumia acompanha com precisão os diferentes momentos da jornada, adaptando-se bem às mudanças de tom ao longo do jogo. Os atores de voz em japonês que dão vida aos personagens também entregam performances bastante sólidas.
Por outro lado, é lamentável que tenham optado por não incluir legendas em português (PT ou PT-BR). Dado o sucesso da série e o interesse crescente em JRPGs, esta teria sido uma boa oportunidade para tornar a franquia mais acessível e atrativa para um público ainda mais amplo.
Atelier Yumia: The Alchemist of Memories & The Envisioned Land é uma evolução sólida da série, que mantém o charme e a essência que tem vindo a conquistar os fãs ao longo dos anos, ao mesmo tempo que introduz novas mecânicas que enriquecem a experiência. A narrativa, o sistema de combate bastante dinâmico e a exploração fluida são os principais destaques, oferecendo uma jogabilidade tão envolvente quanto a da trilogia Ryza. Embora o jogo tenha alguns problemas, como missões repetitivas, uma IA um pouco limitada e alguns contratempos técnicos, estes aspectos não comprometem a aventura num todo.
Atelier Yumia: The Alchemist of Memories & The Envisioned Land é uma adição bem-vinda à série, que despertou a minha curiosidade para os próximos títulos. É um jogo que agradará aos fãs da série e a novos jogadores, oferecendo uma porta de entrada acessível para o curioso mundo da alquimia.