The Legend of Heroes é uma serie de jogos que marca a sua evolução através das suas mecânicas. Esta afirmação é algo que procuro transmitir nesta análise de The Legend of Heroes: Trails through Daybreak II porque a comunidade desde muito cedo rotulou este capítulo como um dos mais controversos. Mesmo eu sendo um ávido fã dos trilhos de Zemuria, podem crer que me senti um pouco relutante ao saber deste facto quando voltei a abrir a porta da agência Arkride Solutions para participar em mais uma aventura na República de Calvard.
Um dos elementos que mais aprecio num JRpg é o seu sistema de combate e é com muita certeza que vos afirmo que estamos perante um dos mais complexos e ricos de toda a série, pois além de ser ainda mais dinâmico também colmata os erros que apontei na análise do anterior capítulo.
The Legend of Heroes: Trails through Daybreak II é o segundo capítulo do atual arco da série criado pela Nihon Falcom Corporation, que recebeu lançamento originalmente no Japão em setembro de 2022. Quando penso a proeza que a NIS America conseguiu realizar em menos de cinco anos é realmente fantástico, isto porque estamos apenas a um jogo de alcançarmos os lançamentos japoneses algo que muitos (eu inclusive) achavam impossível. Novamente a história de The Legend of Heroes: Trails through Daybreak II transporta-nos até Edirth, a capital da República de Calvard. Passaram-se cerca de dois meses após o último tumulto na capital, mas ao invés de assistirmos a um período de prosperidade na mesma somos presenciados com uma cena perturbante onde uma unidade de elite do exército é enviada para enfrentar um enigmático indivíduo que possui a habilidade de se transformar numa criatura semelhante ao Grendel, ou seja, possui a mesma habilidade de Van, o protagonista deste arco.
Contudo, não é só na aparência que este ser é semelhante a Grendel isto porque também está acompanhado por uma inteligência artificial muitíssimo aparecida à Mare, a I.A que habita na Xipha do Van. No entanto, as suas versões exibem um tom carmesim forte, que contrastam com o azul que conhecemos do Spriggan e da Mare. Para erradicar esta ameaça, Elaine Auclair, uma das Bracers mais célebres de Calvard viaja para o gabinete da Arkride Solutions para recorrer aos serviços do Spriggan e juntos investigarem os acontecimentos.
À medida que a história avança, Agnés, a heroína deste arco e René Kincaid, da CID, também se envolvem. O grupo eventualmente confronta o novo Grendel, mas a batalha não decorre como se previa. Numa reviravolta inesperada, Agnés ativa o último dos 7 Genesis que recolheu no jogo anterior, o que resulta numa viagem no tempo para os levar de volta a algumas horas antes da derrota, escusado será dizer que tive imensas vibes com Re: Zero neste e noutros acontecimentos do jogo porque tal como Subaru Natsuki tentamos evitar mortes e outros desenvolvimentos progressivamente para avançar uma narrativa base. Também esta ativação explica uma das lacunas narrativas do anterior capítulo.
Embora estejamos perante um tema controverso, que tem de ser imensamente doseado, as viagens no tempo no jogo conseguem manter uma boa fluidez na narrativa, isto até chegarmos ao terceiro Acto onde são uma constante e revisitamos os mesmos acontecimentos várias vezes até encontrarmos uma via para poder evitar um certo evento enquanto recorremos a uma nova versão do “Trails to Walk” que foi apresentada em The Legend of Heroes: Trails into Reverie que também conta com uma party específica. No entanto, a narrativa deixa vários caminhos em aberto para permitir aos jogadores investirem na exploração da mesma. Além das novas personagens, os “empregados” de Van da primeira parte também regressam, o que resulta num elenco significativamente ampliado e muitíssimo mais rico, personagens como Shizuna, René e Elaine que só podiam ser controladas num dos capítulos podem agora ser utilizadas com muito mais frequência neste nova aventura. Inclusive, Renne Bright, a personagem que considero como principal de toda a série é finalmente jogável nesta região, algo que não aconteceu no anterior capítulo.
Este aumento não só proporciona uma maior diversidade nas interações como também nas batalhas, o que permite desenvolver estratégias mais dinâmicas que oferecem uma maior verticalidade. Os cenários do jogo anterior estão de volta, mas sofreram mudanças percetíveis com a passagem do tempo, o mesmo podemos dizer de NPCs que seguiram com as suas vidas, como por exemplo o “Red Comet” da Z1 que continua a tentar cativar a sua antiga esposa e filha, e Marielle que continua a seguir os trilhos do seu falecido ídolo. Também encontramos inimigos novos, e o ambiente reflete as transformações ocorridas ao longo de um par de meses. Apesar de novos locais serem adicionados, é mais que evidente que grande parte dos assets foram reaproveitados do primeiro jogo, em resumo, senti o mesmo efeito de familiaridade quando joguei The Legend Of Heroes: Trails of Cold Steel II.
Voltando ao enredo principal, vale a pena relembrar que este é o segundo capítulo de uma trilogia e ao contrário do anterior não recomendo que esta seja a vossa porta de entrada para Zemuria, porque o jogo faz alusão de imensos elementos do jogo anterior e da série como o todo. Antes de começar a aventura, podemos assistir a um resumo. No entanto, o que senti foi mais um refresher do que outra coisa. Também à semelhança dos jogos anteriores estamos perante uma aventura extensa sendo que podem contar com pelo menos 70 horas para a aventura principal, e se adicionarmos o pós jogo à equação e de todos as suas duras provas podem crer que rapidamente o relógio do jogo vai atingir os três dígitos.
Grande parte deste tempo vai incidir no genial sistema de combate que continua a ser um híbrido entre ação e turnos, este foi de tal forma revolucionário que até o galardoado Metaphor: ReFantasio não hesitou em criar a sua versão. Tal como no jogo anterior podemos controlar uma das 4 personagens na nossa party livremente pelo cenário enquanto realizamos esquivas dos inimigos e atacamos sem cessar. No entanto, ao receber uma quantidade significativa de dano, o inimigo fica atordoado e a melhor via a adotar é acionar o shard para parar o tempo e o jogo enveredar para o tradicional sistema de turnos. Este não é apenas um ajuste na jogabilidade, mas sim uma vantagem para ambas as partes porque quer o jogador como as ameaças que enfrenta podem recorrer a ataques mais poderosos e diversificados. Além disso, em diversas situações tais como o confronto contra bosses, esta mudança será imposta automaticamente, o mesmo acontece se o jogador tiver pouca vitalidade ou o inimigo realizar um ataque forte. Por isso é importante ficarmos em alerta quer na nossa como na barra de resistência dos inimigos.
No entanto, é aqui que terminam as semelhanças com o sistema de combate do jogo anterior porque felizmente o sistema foi melhorado exponencialmente nesta segunda entrega. Em The Legend of Heroes: Trails through Daybreak II no combate de campo até já é possível realizarmos ataques mágicos e realizar ataques combinados tais com as EX Chains que são poderosas técnicas que cada personagem possui enquanto um dos seus colegas realiza uma esquiva precisa e abre uma janela para contra-atacar. Este elemento também transita para as batalhas por turnos quando o nosso adversário fica atordoado e a troco de duas barras S-Boost podemos realizar o ataque que combina duas das Crafts exclusivas de cada personagem. Outro efeito que acho interessante salientar é a transição de personagens que anteriormente participaram apenas em batalhas por turnos, tais como Swin ou Nadia, que rapidamente se tornaram duas das minhas personagens de eleição. Já tínhamos assistido a este efeito com Fie Clausell no jogo anterior, mas julgo que com as novas mecânicas este efeito brilha com mais intensidade, realmente vai ser muito interessante ver como Rean e Crow vão transitar para Calvard no próximo capitulo. Em suma, o sistema de batalhas de campo e por turnos foi revisto para entregar aos jogadores batalhas muito menos lineares que são extremamente divertidas e desafiantes. Acreditem que foi um grande desafio receber o achivement de receber um 5.2 “Tactical Bonus” logo no início do jogo, é possível, mas requer uma completa mestria de todas as nuances que este sistema de combate tem para oferecer.
Para o complementar, o jogo oferece cinco níveis de dificuldade para ajustar o desafio conforme a nossa preferência. Para os veteranos da série e do género recomendo o modo de dificuldade “Nightmare” porque só assim vão poder absorver o melhor do sistema de batalha, contudo, nesta dificuldade o desafio é muito maior quando comparado com o anterior jogo, posso dizer-vos que mobs normais podem ser um grande obstáculo.
Para recarregar baterias após uma dura batalha temos o regresso dos minijogos, um elemento que inexplicavelmente ficou esquecido no anterior capítulo. A pesca, um dos minijogos mas célebres da série está de volta com pequenas melhorias que oferecem uma maneira eficiente de obtermos recompensas extras. A mecânica de culinária também está de regresso para criarmos novas receitas para fortalecer ou oferecer buffs às personagens. Contudo, também temos novidades tais como o “Seven Hearts”, um jogo de cartas simples, mas viciante, que tal como Blade ou Vantage Masters é capaz de consumir horas de uma partida, um jogo de basquetebol, um sistema de realidade virtual onde recorremos a Mare para fazer hacking a baús, e mecânicas de furtividade, que podiam ser um pouco mais elaboradas. No geral, os minijogos não destoam do ritmo do jogo e da narrativa, ao contrário de Final Fantasy VII Rebirth onde por exemplo a cada dois passos somos brindados com um minijogo.
Contudo, a maior novidade no que toca a atividades paralelas está presente no Märchen Garten, um mundo virtual extremamente semelhante ao “Reverie Corridor” de The Legend of Heroes: Trails into Reverie que para além de oferecer um bom desafio também desempenha um papel fulcral na narrativa. Ao contrario do “True Reverie Corridor” o jogador precisa de encontrar pontos de entrada espalhados pelos cenários do jogo.
Este mundo virtual é composto por 16 níveis, dos quais apenas 9 são obrigatórios para a progressão da história principal. No entanto, também abriga alguns dos inimigos mais poderosos do jogo que proporcionam melhores desafios e recompensas. O avanço entre os andares acontece através do cumprimento de objetivos variados que tornam a exploração dinâmica e diversificada.
Além de expandir o contexto narrativo e aumentar a duração da aventura, esta missão secundária oferece recompensas valiosas. Cada vez que completamos uma área, os personagens utilizados recebem itens. Desta forma, o Märchen Garten também serve como um excelente ponto para farming de recursos que consequentemente aumenta ainda mais a longevidade do jogo.
Para os maiores apreciadores do grafismo esta longevidade pode ser um entrave porque vão assistir a ambientes um pouco aquém das expetativas na maioria do tempo. O estilo anime garante um aspeto visual seguro e agradável, mas com um nível de detalhe inferior ao aspeto fotorrealistico de Final Fantasy VII Rebirth ou Kingdom Come: Deliverance II. Além disso, não tivemos grandes avanços técnicos em relação ao primeiro jogo por isso quem esperava melhorias gráficas pode correr o risco de se dececionar.
Por outro lado, os cenários e o design dos personagens continuam belíssimos dentro da proposta artística e como envereda por esta estética pode tomar outras liberdades, tais como sangue a jorrar em todas as direções e mortes absolutamente grotescas para o seu género. Com o benefício desta simplicidade técnica, o título pode ser executado até na Steam Deck sem entraves e todas as opções técnicas que encontramos no anterior capitulo transitaram para aqui, que incluem o incrivelmente “pesado” SGSSAA, (Sparse Grid Super Sampling) o antialising definitivo que até fez uma NVIDIA GeForce RTX 4090 suar, e um modo HDR que simplesmente continua a não funcionar.
A banda sonora que é um dos pontos mais fortes da série sofreu um aumento tremendo de qualidade. A faixas de batalhas do jogo anterior ficaram aquém do esperado para muitos, mas felizmente neste novo capítulo a Falcom Sound Team JDK compôs uma seleção incrível de faixas de batalha onde o piano e o violino voltam a andar de mãos dadas. É certo que muitas faixas também foram resgatadas com leves mudanças para transmitir um tom de familiaridade enquanto as que foram criadas de raiz são incríveis, especialmente o tema de abertura, Crimson SIN, que na minha opinião é um dos melhores da série até ao momento. O jogo conta com áudio em japonês e inglês, ambos de alta qualidade com atores de voz consagrados do mundo anime, infelizmente o jogo tem textos apenas em inglês, o que compreendo pode ser um problema para os nossos leitores que nos acompanham do outro lado do oceano.
The Legend of Heroes: Trails through Daybreak II representa uma clara evolução da série especialmente no sistema de combate. Este não apenas é um dos mais profundos da série, como também é incrivelmente divertido e para quem que procura um desafio pode ser bastante exigente. O jogo resgata tudo o que foi retirado do capítulo anterior enquanto melhora a sua estrutura. No entanto, a sua repetição e a sua incapacidade de avançar a narrativa pode afastar o jogador mais impaciente.