Mesmo após mais de três décadas de lançamentos constantes, a série Atelier nunca conseguiu alcançar o merecido estatuto nesta indústria. Foi preciso a chegada da série “Secret“, mais conhecida como “Ryza”, para inverter esta tendência. Grande parte desse sucesso deveu-se à caracterização da própria protagonista, uma jovem alquimista inocente, de sorriso cativante e coxas bem definidas.

Se é verdade ou não que estas características foram apenas o que foi preciso para os jogos Atelier finalmente abandonarem o seu estatuto de nicho isso não vos sei dizer, o que posso afirmar é que catapultam Ryza ao estrelato e a ponto de receber uma adaptação anime e inúmeros produtos de merchandising. Outro fator que posso confirmar é que também levaram ao relançamento das versões DX da jovem prodígio e certamente a vão manter viva por mais algum tempo, mesmo diante de novas aventuras dentro da própria franquia.

A Koei Tecmo gostou tanto da pose da figura da Good Smile Company que até a colocou na capa primeiro jogo DX desta trilogia

A Gust tem por hábito relançar versões melhoradas dos jogos Atelier e adicionar novos elementos e conteúdos. Muitos já achavam estranho que a série Ryza não seguisse esta tradição, especialmente porque a empresa parecia ter encerrado as aventuras do grupo de jovens, demasiado velhos para serem considerados crianças, mas ainda demasiado novos para serem adultos. Novos títulos da produtora, tais como Atelier Yumia e a duologia Resleriana também pareciam confirmar este afastamento.

No entanto, sem qualquer aviso prévio, durante este verão, quem conhece a série sabe que este período talvez possa ter sido propositado, a Gust anunciou que a trilogia “Secret” receberia, já neste outono, versões DX com diversos novos elementos, histórias inéditas e até personagens jogáveis. Quem jogou a trilogia sabe certamente que existiam diversos momentos nos jogos onde se notavam brechas narrativas. Personagens e histórias desapareciam de um título para outro e eram substituídos por outros com características ou estilos de jogo semelhantes, talvez já a pensar em futuros relançamentos.

Como alguém que jogou a trilogia original, posso dizer em primeira mão que senti este efeito. Por exemplo, a ascensão de Ryza de uma jovem camponesa travessa a uma alquimista de prestígio pareceu-me algo artificial mesmo com a conclusão do primeiro jogo, o que realmente se passou com Boos no Underworld, o desaparecimento do seu mestre e do seu guarda-costas no segundo jogo também soou estranho, e até o afastamento dos seus melhores amigos e aliados, como foi o caso de Clifford, da segunda para a terceira aventura, não fez muito sentido. É certo que a maioria destas situações foram brevemente mencionada, mas nunca verdadeiramente mostrada. Felizmente, com a trilogia Secret DX, estes e muitos outros episódios não só podem ser finalmente vividos, como alguns até se tornaram jogáveis assim como a personagem Kilo Shiness, uma personagem de apoio em Atelier Ryza: Ever Darkness & the Secret Hideout e Atelier Ryza 3: Alchemist of the End & the Secret Key, que na trilogia DX é jogável nesta atualização.

Finalmente vamos descobrir o que realmente se passou com Boos no Underworld

Esses e muitos outros momentos podem agora ser experienciados através do menu “Episode”, disponível em cada um dos jogos nesta “nova” trilogia. Para além da inclusão de todos os DLC previamente lançados e em número considerável, os jogadores terão acesso a episódios específicos que exploram estes eventos de forma mais detalhada. Embora a quantidade de conteúdo varie entre jogos, por exemplo, a segunda aventura inclui apenas o episódio centrado em Empel e Lila na sua exploração do Underworld, cada um destes segmentos apresenta uma duração e profundidade comparáveis às de um jogo de pequena escala. É neste contexto que surge a polémica em torno da trilogia Secret DX. Muitos fãs receberam o anúncio com um sentimento misto, uma vez que, em vez de três novas atualizações, a produtora optou por relançar versões melhoradas de jogos já existentes e trata-los como fossem novos jogos. Para alguns, teria sido mais apropriado que os conteúdos adicionais fossem disponibilizados sob a forma de DLC, até poderia ser pago, em vez de um novo lançamento comercializado ao mesmo preço de um título original.

Contudo, este não é o único problema associado ao lançamento de um produto considerado “novo”. Quem pagou um preço de lançamento para cada um dos jogos vai ter de o fazer novamente se quiser jogar as versões atualizadas. Além disso as versões originais de cada jogo vão ser retiradas das lojas, e todo o esforço nestas que foi investido na criação de itens e fórmulas vai ser, infelizmente, perdido, uma vez que nenhum progresso pode ser transferido para as versões DX. Isto significa que qualquer uma das aventuras tem de ser iniciada literalmente do zero, com todas as suas nuances reiniciadas.

No entanto, há uma exceção parcial porque os episódios adicionais estão disponíveis de imediato e o jogo adapta-se a um período temporal mais avançado para permitir o acesso a alguns parâmetros e ferramentas já desbloqueadas, embora os itens tenham de ser novamente recolhidos e a maioria das fórmulas continuem indisponíveis. Para quem dedicou centenas de horas à trilogia original, é difícil não sentir alguma frustração ao ter de reviver exatamente os mesmos acontecimentos nas aventuras principais, sobretudo quando seria perfeitamente possível permitir a migração de progresso entre versões. Até as conquistas permanecem inalteradas, quando se esperaria que refletissem, pelo menos, os novos conteúdos introduzidos nestas edições DX.

Mesmo perante esta falta de transparência é incrível acompanhar o progresso do grupo principal desde o primeiro ao último jogo

Contudo, estas atualizações também introduzem vários aspetos positivos. Cada jogo apresenta novas funcionalidades destinadas a auxiliar quer veteranos como aprendizes de alquimia. Por exemplo, nas versões DX, o jogador pode desfrutar de batalhas com maior liberdade ao definir as ações dos monstros, aumentar o medidor ou até abrandar o tempo para tirar fotos num novo modo melhorado de fotografia.

Na segunda aventura, Fi, a misteriosa criatura que o grupo conhece na segunda aventura, pode ajudá-los com indicações ou restabelecer um pouco de HP após uma batalha. Já na terceira aventura, este elemento assume o controlo das Wind Beasts, que agora finalmente, podem recolher itens enquanto são montadas.

O limite de armazenamento do cesto e do contentor também foi aumentado, agora é possível visualizar a respetiva quantidade diretamente na interface do jogo. Relativamente a este último aspeto, foram feitas diversas melhorias, por exemplo os menus estão mais organizados e o minimapa foi ajustado para mostrar a localização do jogador e a área visível com maior clareza.

Estas melhorias estendem-se também ao âmbito técnico de cada um dos três jogos. Os problemas de otimização e diversos erros, especialmente no primeiro jogo, foram devidamente corrigidos sem o auxílio de ferramentas de terceiros, tais como o Special K, e as opções gráficas passaram a estar acessíveis diretamente a partir dos menus de cada aventura. Anteriormente, para modificar a maioria das definições gráficas, era necessário encerrar o jogo e aceder a essas opções antes de iniciar o jogo através de um launcher, que frequentemente não funcionava como deveria.

As sombras, nitidez e texturas estão muito superiores quando comparadas com as dos jogos originais

No que respeita às opções de cada jogo, foram ainda introduzidas várias novidades, tais como predefinições gráficas (presets) e elementos visuais atualizados. O resultado é um produto tecnicamente mais sólido e graficamente melhorado, que coloca a primeira aventura ao nível das restantes. Além da melhoria nas texturas, foram também adicionadas sombras mais naturais e definidas, um efeito presente nos três jogos, embora seja mais evidente no primeiro devido à sua herança original. O mesmo se aplica ao desempenho, um aspeto que considero digno de destaque. As versões para PC de jogos japoneses têm, em geral, a reputação de sofrer com problemas de otimização e execução, e as da Koei Tecmo são frequentemente apontadas como algumas das piores neste campo.

Em comparação com a minha análise anterior de Atelier Ryza 2: Lost Legends & the Secret Fairy, que foi jogado numa PlayStation 4, é difícil estabelecer uma correspondência direta com a versão DX no PC. No entanto, o facto do jogo se manter estável na minha build nos 120 FPS, e de nos dispositivos Steam Deck e ROG Ally atingir as respetivas taxas de fotogramas-alvo, 40 e 120 FPS, respetivamente, leva-me a crer que estamos perante uma versão PC bem otimizada. Parece, enfim, que a Koei Tecmo descobriu a sua própria fórmula de alquimia para criar produtos mais robustos nesta plataforma. Por último e em comparação com os jogos originais, as versões DX não possuem suporte a tecnologias SuperSampling, apenas a UI dos comandos Xbox, e apenas podem ser desfrutadas com áudio em japonês e textos em inglês.

A trilogia DX de Atelier Ryza apresenta-se como um caso algo divergente e polémico. Por um lado, trata-se de versões revistas e ampliadas de todos os jogos, repletas de novos elementos técnicos e de gameplay. Por outro, há uma clara falta de transparência da editora para os seus fãs, uma transição praticamente inexistente entre os originais, e preços premium aplicados a cada. Tendo em conta estes dois lados da mesma moeda, considero que a trilogia DX deve ser experienciada sobretudo por quem ainda não teve oportunidade de descobrir os encantos de partir em aventuras sob o calor ardente de verões inesquecíveis. Para quem já o fez, talvez o melhor seja guardar com carinho as memórias dessas jornadas, pois, apesar da abundância de conteúdo, não existem razões realmente convincentes para repetir a experiência, a menos, claro, que se trate de fãs acérrimos das aventuras da jovem Ryza.

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