Publicado pela Modus Games e desenvolvido pela Sketchbook Games, Lost Words: Beyond the Page, pode ser considerada uma aposta arrojada no mercado. Isto porque troca tiros, violência e explosões pela simplicidade, calma e emoções mais puras e sinceras da alma humana.

Lost Words: Beyond the Page apresenta aos jogadores Izzy, uma jovem escritora que dedica grande parte do seu tempo a escrever uma história sobre uma rapariga que parte para encontrar um Dragão que destruiu a sua aldeia. No entanto, a sua maior fonte de expressão é o seu diário, que literalmente ganha vida. A narrativa do jogo é simples, porém harmoniosa, o jogador partilha Izzy em duas vertentes, quer seja através do seu diário, como na história que redige, sendo que por vezes as duas até convergem, devido à imensa fonte de imaginação da nossa sonhadora protagonista. As suas palavras e pequenos rabiscos devem ser ordenados para criar pequenas plataformas para que possa passar literalmente à próxima página.

É impossível não sorrir pela forma como o jogo transforma as pequenas frases em plataformas, decididamente nunca ordenar a ordem sintética de uma frase produziu efeitos tão suaves e comoventes. O mesmo é impresso quando a sua personagem invade as páginas do mundo de Estoria. A mesma possui um livro mágico que poderemos usar para mudar situações nos seus ambientes. Porque, por exemplo, diante de um campo de fogo aparentemente intransponível ao usarmos a palavra “put out” (apagar) poderemos seguir viagem. Durante as secções neste conto, o jogo emerge como um jogo de plataformas à boa maneira antiga. A sua personagem corre campos, puxa, empurra, salta, sobe, desce lianas, desliza, etc, e resolve quebra-cabeças com o uso de palavras. A forma como o jogo intercala, expande, integra, molda e transforma estes elementos, é deslumbrante, por exemplo, a deslizar uma pequena superfície podemos assistir no ecrã a onomatopeias ou pensamentos da personagem. Realmente estamos diante de um jogo do mais original e criativo. No entanto, só poderemos transportar um máximo de seis palavras, o que infelizmente produziu um efeito contraproducente em algumas situações. Para o jogador que gosta de um bom desafio Lost Words: Beyond the Page, não será certamente a melhor aposta, o jogo é demasiado simples, e as suas secções representam pouco perigo. Porém, estamos diante de um jogo com um elevado cariz familiar que pode ser apreciado por pais e crianças, além de se assemelhar a um livro de contos interativo possuindo ainda um grande potencial didático. Também não estamos diante de um jogo demasiado longo, pois foram precisas cerca de 5 horas para terminar este conto, o que numa porção familiar também pode ser um aliciante.

Porém, o mundo imagino de Izzy não é perfeito, mesmo neste quadro de imaginação e ternura também pairam nuvens de tristeza e angústia. A jovem adora a sua avó, é quem mais ama no mundo, e em diversas passagens do seu diário podemos constatar este facto. Quando esta adoece, os campos floridos tornam-se áridos e no lugar de um sol radiante e palavras harmoniosas também brotam sentimentos mistos de tristeza e saudade, quando a jovem relata episódios que viveu junto da pessoa que mais ama em qualquer mundo.

Sendo alguém que também viveu algumas memórias descritas nas suas páginas, fez-me refletir e apreciar tempos passados, confesso que cheguei mesmo a emocionar-me com alguns. A forma como o jogo retrata as suas emoções é autêntica, aliás demasiado autêntica, evitando clichés forçados, -como infelizmente assistimos em todas as vertentes do entretenimento- focando-se numa simplicidade dotada de um autenticismo humano sem precedentes. Obviamente este efeito se deve à narrativa do jogo ser escrita por Rhianna Pratchett, uma jornalista e argumentista de videojogos, que conta no seu currículo com obras como Tomb Raider (2013), Rise of the Tomb Raider, Bioshock Infinite, e Mirror’s Edge. Os sentimentos narrados pelo livro ressoam de tal forma em nós, que não só sentimos uma relação mais próxima com a protagonista, como um desejo de estar mais próximo de familiares especialmente daqueles que já partiram, mas vivem nos nossos corações.

Tecnicamente Lost Words: Beyond the Page, é bastante requintado, não devido a grafismos foto-realísticos, mas sim pela sua direção artística. Tal como já foi referenciado anteriormente Lost Words: Beyond the Page é literalmente um livro de histórias interativo. Os seus ambientes ostentam uma beleza sem paralelo e rivalizam com alguns dos melhores deste género, tais como os que podemos encontrar em ambos os títulos de Ori. Embora os seus cenários aguarelados sejam surpreendentes, não farão certamente suar os vossos componentes, nem mesmo em resoluções elevadas sentimos quebras de fotogramas. O mesmo podemos dizer a respeito das majestosas melodias compostas por David Housden. As mesmas dão um toque final de qualidade e elevam a dimensão artística do jogo a novos patamares. Embora algumas sejam detentoras de um sentimento de saudade e melancolia, noutras sentimos um efeito de grandiosidade. Os instrumentos que acompanham os cenários do jogo são também muito vastos. Temos pianos, guitarras, violinos, flautas, clarinetes e até xilofones. Além destes valores, a magnífica atuação da sua atriz, e a restante banda-sonora faz com que consigamos perceber não só tudo o que lhe vai na alma, como até imaginar as suas expressões faciais.

Lost Words: Beyond the Page, num certo sentido pode ser vista como uma lufada de ar fresco numa indústria onde explosões, sangue e violência ditam e estabelecem as maiores regras. Uma aventura quantitativa e qualitativa pronta para ser desfrutada quer por miúdos como graúdos, com um enorme potencial didático e cariz familiar, e que nos revela o quão importantes podem ser os nossos entes mais queridos principalmente nesta era pandémica. Criativo, arrebatador e humano, são estes os elementos que a Sketchbook Games, juntou ao seu “Químico X” quando criou uma aventura onde a caneta é certamente mais poderosa que a espada.

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Vincent Law
Vincent Law
3 , Abril , 2021 13:30

Espero o caro Bruno Reis procure saber mais sobre o jogo que ainda será lançado chamado Ignaculus. Vai se surpreender por saber que ele possui uma trama que vai impressionar a todos por ter uma narrativa bem peculiar.

Abraços.

Bruno Reis
Bruno Reis
Reply to  Vincent Law
7 , Abril , 2021 10:57

Vamos estar atentos, segundo vejo, será produzido com base no RPG Maker. Obrigado pela indicação e um abraço.