Indiana Jones foi inspirado nas séries de aventura que foram destaque entre 1930 e 1940. O seu criador George Lucas retirou moldes dos heróis intrépidos que buscavam tesouros à volta do mundo enquanto enfrentavam o perigo. Steven Spielberg, amigo de longa data do realizador foi essencial para moldar o tom das aventuras, e os dois uniram-se para produzir uma série de filmes que misturariam ação, aventura, humor e mistério histórico. Inicialmente, Tom Selleck foi o escolhido para representar Indy, visto que a dupla acreditava que tinha o perfil ideal para a personagem, ou seja, uma aparência marcante e o carisma necessário para dar vida a um arqueólogo aventureiro. No entanto, Selleck posteriormente assinou com a CBS para ser o protagonista da série Magnum P.I., e o canal recusou-se a ceder o ator para as filmagens do que mais tarde seria conhecido como Indiana Jones e os Salteadores da Arca Perdida. No entanto, Harrison Ford, que anteriormente tinha trabalhado com Lucas em Star Wars, foi escolhido e Indiana Jones foi reescrito para levar até aos espetadores um herói com equilíbrio entre o sério e o humor.

Indiana Jones, também conhecido como Dr. Henry Walton Jones Jr., é um professor da arqueologia talentoso e comprometido com a preservação de artefatos históricos. Apesar de sua vida académica, Henry é também um aventureiro nato, guiado por um forte sentido de justiça, desprezo e desigualdades socias. A sua alcunha, Indiana, é uma homenagem ao cão de infância de George Lucas, que também inspirou o aspeto de Chewbacca. No filme Indiana Jones e a Grande Cruzada, o seu pai, revela que escolheu também este nome para o seu filho devido a um cão. Harrison Ford, único intérprete da versão adulta do personagem nos cinemas, protagonizou todos os cinco filmes principais da série que receberam lançamento entre 1981 e 2023.

A qualidade gráfica é tal forma surpreendente que muitas vezes fazemos a pergunta se estamos diante de um filme ou um jogo

Como estamos perante uma série de filmes que atravessaram gerações, transitar Indiana Jones do grande ecrã para o universo dos videojogos foi à partida para muitos uma das ideias mais loucas e até inusitadas desta indústria no ano de 2024. Convenhamos, Indy não recebeu um jogo digno do seu nome por quase duas décadas, isto se excluirmos os jogos da série LEGO, e o seu mais recente filme nos cinemas ficou bem aquém do esperado, por isso a MachineGames e a Lucasfilm Games teriam aqui um grande desafio, porque não só teriam de ressuscitar e transportar uma série cinematográfica bem antiga como também gerar interesse para as camadas mais jovens. Felizmente a empresa sueca não se esquivou de tal demanda e no seguimento da série Wolfenstein trabalhou em conjunto com a Bethesda Softworks para entregar aos jogadores o último grande jogo de 2024.

Indiana Jones and the Great Circle decorre entre os eventos dos filmes Os Salteadores de Arca Perdida e Grande Cruzada, um elemento que é imediatamente perceptível porque nos seus minutos iniciais assistimos a quase uma cópia tirada a papel químico da célebre cena quando o arqueólogo aventureiro foge de um pedregulho gigante quando saqueia um tesouro no pedestal de um templo no Peru. Nunca é demais sublinhar que esta cena foi referenciada em praticamente todas as obras possíveis e imaginárias desde a criação deste filme. A longa metragem teve tanto sucesso que foi responsável por abrir portas para a criação de uma versão menos avarenta do Tio Patinhas em DuckTales, Lara Croft em Tomb Raider e Nathan Drake em Uncharted. Contudo, o jogo decide saltar o primeiro filme e avançar um pouco mais para a frente, mais especificamente para 1937 com o Terceiro Reich a espalhar a sua influência por todo o mundo, e Indy vê-se em apuros quando um homem enorme rouba uma múmia felina do museu da Universidade Marshall.

Desta vez os jogadores vão poder acompanhar o arqueólogo e a jornalista italiana Gina Lombardi desde o Vaticano, até às pirâmides de Gizé e a muitos outros locais para desvendar uma das grandes questões da humanidade, o Circulus Magnus, também conhecido como o Grande Círculo, um enigma relacionado com o facto de locais sagrados como a Ilha da Páscoa, Sukhothai ou Nazca estarem ligados e formarem um círculo em redor do planeta.

Indy e Gina vão percorrer os 4 cantos da terra

Todos os elementos que definem e celebrizaram os filmes estão presentes no jogo, viagens pelo mundo, um mistério histórico com toques sobrenaturais, humor astuto, romance, utilização de línguas antigas, ataques aos nazis e um vilão sinistro e megalómano, por isso os fãs de longa data certamente que vão encontrar aqui o jogo que tanto ansiaram durante a sua juventude.

A respeito de juventude, que dizer do aventureiro que permanece com o aspeto jovem de Harrison Ford. Contudo, a sua voz mudou, como sabemos o ator envelheceu bastante desde a década de 70 e encontrar alguém capaz de transmitir um comentário espirituoso, aquele sorriso malicioso, uma boca sarcástica aqui e acolá e uma paixão inabalável a cada descoberta não seria uma tarefa fácil. Eis que surge Troy Baker para pegar a tocha, dizer que o ator de voz de Joel de The Last of Us e Yuri Lowell de Tales of Vesperia é um digno candidato para herdar o chapéu e chicote até para o cinema é algo que acreditem não estou a exagerar. O icónico tema composto por John Williams e outras faixas musicais da série de filmes reforçam ainda mais a sua representação.

Claro que os leitores devem estar a questionar-se se este não é apenas um título destinado aos maiores fãs do herói, bem, a meu ver é um misto porque o jogo consegue encontrar um equilíbrio muito saudável entre o clássico e o moderno, sendo capaz de oferecer um bom produto até mesmo para quem não tenha acompanhado os filmes de onde retira elementos.

O enredo deste jogo é o primeiro grande exemplo do que o título representa. Não procura revolucionar, nem surpreender o jogador com novas ideias ou abordagens inesperadas. Julgo que o jogo manteve a mesma fórmula para não afastar ou assustar a sua fanbase, no passado tivemos casos onde tal aconteceu e o resultado, bem, não foi o melhor. Como o jogo consegue manter uma intriga constante, personagens carismáticas, momentos icónicos e uma realização fora de série, não só consegue o feito de se equiparar como até superar alguns dos filmes mais célebres da série. No entanto, o elemento mais controverso desde a revelação deste jogo foi manter Indy numa perspectiva de primeira pessoa. Por muito estranho que possa parecer, esta abordagem permitiu criar uma experiência mais orgânica e até pessoal com a personagem.

Para percebermos este parágrafo primeiro temos de separar duas eras da MachineGames, a era pós-Wolfenstein e a era pré-Wolfenstein, quando a empresa era conhecida como Starbreeze Studios e produziam jogos baseados em licenças, tais como The Chronicles of Riddick: Escape from Butcher Bay e provaram que era possível retratar um jogo na primeira pessoa através de uma personagem célebre do cinema. Com Indiana Jones and the Great CircleMachineGames teceu a aclamada formula de Wolfenstein com a mentoria de storytelling de antigos membros dos Starbreeze Studios.

A ação deambula entre a primeira e terceira pessoa

O elemento mais predominante é o constante salto da primeira para a terceira pessoa em momentos específicos da história, tais como quando Indy atravessa saliências ou participa em diálogos dotados de uma cinematografia sem precedentes. As animações da personagem foram criadas com especial cuidado para que os jogadores se sintam como o lendário aventureiro, e o jogo acaba por passar aos jogadores uma sensação de jogo de ação como Uncharted ou Tomb Raider em vez de um shooter na primeira pessoa. Realmente é estranho comparar Indy a personagens mais modernas quando estas partiram da sua própria criação, lembro-me de Lara nas suas origens ser chamada de “Senhora Indiana Jones” nas revistas de videojogos. Enquanto o combate também está presente na jogabilidade, a exploração e os puzzles são quem dita o fluxo e as regras do jogo.

À semelhança de MacGyver, outra possível inspiração do Dr. Jones Jr., Indy não é um herói que deposite as suas esperanças em armas de fogo, embora as possa usar com bastantes limitações e inconvenientes, e tal como Angus, Indy faz do improviso o seu maior recurso. Além de recorrer aos punhos em combate, também pode utilizar uma série de objetos com efeitos bem cómicos, tais como pás, frigideiras, vassouras e até mata-moscas que exemplificam o humor característico da personagem mesmo quando surge o perigo. No entanto, estes objetos partem-se, pelo que é preciso pensar sempre em novas estratégias… que passam muitas vezes pelo uso do chicote. A ferramenta mais famosa de Indy além de ser absolutamente essencial fora de combate, também é essencial dentro do mesmo, pois é capaz de desarmar, estrangular e atrair o inimigo. Isto porque a furtividade também é uma via a tomar, se bem que bastante limitada quando comparada à de outros jogos.

A gameplay foi claramente orientada para o combate corpo a corpo, incorporando doses de pancadaria bem agradáveis, até porque existem esquivas e contra-ataques que tornam tudo muito mais estimulante numa perspetiva de primeira pessoa. O problema são as animações dos inimigos que parecem bonecas de trapo e uma IA tosca que impede uma fluidez necessária em ações e na jogabilidade.

Felizmente a estrutura do jogo apresenta um bom equilíbrio ao recorrer a níveis lineares com pequenos desvios. Os jogadores podem contar com capacidades para melhorar, áreas escondidas para descobrir, puzzles extra para solucionar, colecionáveis para recolher e missões secundárias para completar que elevam a duração do jogo para 25 horas ou mais se quiserem obter todas as mais 40 conquistas que têm à vossa espera.

Do ponto de vista técnico, Indiana Jones and the Great Circle é um jogo visualmente impressionante, especialmente nesta versão para PC. Os gráficos, embora não sejam de última geração, são bastante competentes e apresentam elementos modernos. As texturas são nítidas e os modelos das personagens, em particular de Indy e das restantes personagens principais estão muito próximos das suas congéneres de carne e osso. Os efeitos de iluminação e as sombras, especialmente nas secções subterrâneas e nos templos são dos melhores que vi em 2024.

Embora não pareça a aventura de Indy é tecnologicamente exigente

Durante o jogo as únicas incoerências visuais que encontrei foram efeitos de pop-in aqui e acolá que mesmo presentes não deterioraram a experiência global de jogo. Contudo, tenham em atenção que vão precisar de um PC bastante potente se desejarem desfrutar do jogo na sua qualidade máxima, ou seja, com o preset “Supreme”. Porque tal como Cyberpunk 2077, o jogo utiliza a tecnologia Path Tracing. Mesmo com o recurso às tecnologias de geração de fotogramas NVIDIA DLSS 3 e Nvidia Reflex, e com uma build atualizada pude desfrutar do jogo com taxas de fotogramas respeitáveis, entre 70 a 80 FPS, mesmo com todos os efeitos visuais elevados no máximo. Isto porque a vossa conhecida build foi atualizada e agora é constituída por um processador AMD Ryzen 9800X3D, 64 GB RAM a 6000mhz, porém ainda continua com a placa gráfica NVIDIA GeForce RTX 4090. No entanto, o jogo esgota quase as reservas de Vram desta placa gráfica com estes elementos, por isso recomendo ficarem atentos se conseguem executar o jogo na qualidade desejada especialmente em placas gráficas com 8GB ou 10GB de Vram. Temo mesmo que os 16GB nas novas placas gráficas da NVIDIA, Intel e AMD possam ter o efeito série NVIDIA RTX 3000, porque o jogo apenas em resoluções 1080p com os efeitos de Pathtracing acionados usa cerca de 14GB!

Indiana Jones and the Great Circle é mais que um jogo, é uma homenagem a um dos mais antigos heróis do cinema que é protagonista de uma aventura que até poderia fazer parte de um dos seus filmes. A MachineGames rompeu a maldição da adaptação de licenças de filmes para videojogos porque ao contrário de outras experiências refinou com respeito e compromisso o jovem Indy, o que resultou numa das melhores aventuras de 2024. Podem crer que este jogo merece pertencer a um museu, a vossa biblioteca pessoal de jogos.

Bruno Reis
Vindo de vários mundos e projetos, juntou-se à redação do Otakupt em 2020, pronto para informar todos os leitores com a sua experiência nas várias áreas da cultura alternativa. Assistiu de perto ao nascimento dos videojogos em Portugal até à sua atualidade, devora tudo o que seja japonês (menos a gastronomia), mas é também adepto de grandes histórias e personagens sejam essas produzidas em qualquer parte do globo terrestre.
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