Houve projetos concebidos no passado que foram relevantes para a indústria dos videojogos que nunca devem cair no esquecimento e que em determinada altura devem ser ressuscitados para as gerações atuais terem a oportunidade de os experienciar em primeira mão. Um destes exemplos é a aclamada série japonesa Silent Hill, a obra de Keiichiro Toyama que em 1999 apresentou uma visão complexa do terror psicológico que influenciou, não só outros jogos de terror, como também o cinema do género e a cultura pop.
A Bloober Team em parceria com a KONAMI, lançou o remake de Silent Hill 2, onde expandem e modernizam com um cuidado especial a sua apresentação, narrativa e jogabilidade.
Desde o dia de lançamento já vendeu mais de um milhão de cópias por todo o mundo.
Este jogo desenrola-se à volta de James Sunderland, um homem perturbado que recebe uma carta da sua falecida esposa Mary, que acaba por o levar à sua procura em Silent Hill, uma cidade sinistra, coberta de nevoeiro e repleta de mistérios.
Mesmo depois de mais de duas décadas, a narrativa de Silent Hill 2 envelheceu muito bem. É uma narrativa densa, cheia de segredos e simbolismos que inevitavelmente aprofundam as emoções humanas de uma maneira surrealista e inteligente. James, o nosso protagonista, procura incansavelmente a sua esposa que o aguarda na cidade de Silent Hill, e durante esta sua viagem de culpa e redenção, os seus traumas e dilemas morais que o atormentam vão sendo explorados através dos personagens, criaturas, puzzles e ambientes.
A Bloober Team aproveitou também esta revisão para expandir parte do enredo. Os eventos principais continuam fiéis, mas por vezes com pequenas modificações, há novos diálogos e mais zonas para explorar, os cenários foram ampliados, novas cutscenes e documentos que aprofundam a história sem continuar a quebrar o enigma narrativo como foi sentido no original.
Além disso, as personagens que descobrimos na cidade de Silent Hill adicionam uma camada muito humana à narrativa. Para além das suas personalidades complexas, representam os distintos aspectos da psique humana, explorando temas como o amor, suicídio, solidão, entre outros.
É incrivelmente prazeroso passar pelas ruas, lojas, hospitais, etc, à procura de itens de cura, munições e elementos chaves para resolver puzzles para dar continuidade à narrativa. A nova transformação visual tornou a ambientação ainda mais assustadora e claustrofóbica, sempre com aquela sensação de opressão e insegurança iminente enquanto caminhamos pelas ruas cobertas de neblina ou nos interiores dos edifícios com escassa iluminação.
Silent Hill 2 foi inspirado nas obras do cineasta David Lynch e do escritor Stephen King.
Uma parte crucial do jogo são ainda os seus diferentes puzzles, que na maioria das vezes se concentram em desafios lógicos que nem sempre são fáceis de resolver. É um dos pontos fortes do jogo, que além de nos levar a superar obstáculos, analisar ambientes e ler documentos para encontrar por exemplo uma palavra-passe ou uma chave, serve também como um veículo importante para a narrativa.
O ritmo do jogo funciona perfeitamente durante os momentos de descoberta, resolução de puzzles e luta diária contra as criaturas que permanecem em Silent Hill. Há sempre algo a descobrir, conversas suspeitas a suceder e cutscenes que nos conseguem proporcionar na maioria do tempo acontecimentos memoráveis que dificilmente esqueceremos.
Já o combate, tal como o original, segue um sistema mais rudimentar, focado essencialmente nas vulnerabilidades do personagem, com ataques simples de corpo a corpo juntamente a uma esquiva e a uma variedade limitada de armas. Os movimentos, apesar de serem um pouco desajeitados, comportam-se bem na sua maioria, sendo até velozes o suficiente seja a disparar ou a esquivar dos ataques inimigos.
No entanto, a câmara em Silent Hill 2 Remake foi alterada de uma perspetiva fixa para se centrar por cima do ombro do personagem como vimos nos remakes de Resident Evil e esta mudança não só trouxe uma nova perspectiva à cidade de Silent Hill como ao combate, aproximando-nos mais dos detalhes e do perigo. Quanto à dificuldade, embora exija uma boa gestão de recursos, fiquei com a sensação que existem mais munições e itens de cura espalhados pelos locais, tornando-se mais fácil superar os desafios. Apesar disso, também observei que foram adicionados um maior número de inimigos, o que nos pode deixar frustrados se estivermos demasiado confortáveis, afinal, as criaturas estão muito bem posicionadas e devido à falta de iluminação, quando damos conta, podemos estar cercados por várias criaturas que não vão descansar até nos eliminar.
Temos ainda os bosses de Silent Hill 2 Remake, que apresentam um conceito excelente seja na sua imagem ou na simbologia que cada um representa. Fora isso, são demasiado fáceis de superar se estivermos bem equipados, já que a maioria dos bosses são pouco elaborados sem grande exigência de estratégia em combate.
Um dos pontos mais notáveis do remake é o aprimoramento da sua componente visual e sonora. A cidade de Silent Hill ganhou uma nova dimensão, os pormenores dos ambientes são extraordinários, alcançando perfeitamente a atmosfera opressiva do original. As técnicas de iluminação, a qualidade das texturas, dos modelos e do próprio nevoeiro característico dos jogos desta série tornam a nossa passagem por este mundo muito mais intensa. A Bloober Team esmerou-se ainda nas cutscenes que contribuem para a imersão dos eventos bizarros do jogo. No entanto, temos pequenos problemas na imagem, texturas menos detalhadas que demoram a carregar e também algumas ligeiras quedas de fluidez seja no modo Qualidade ou Performance.
A Bloober Team utiliza o Dualsense para aumentar a imersão no jogo. Sentimos nas nossas mãos o efeito da chuva, a precisão das portas abrir, o disparo das armas, etc.
Silent Hill 2 Remake não seria o mesmo sem a sua famosa componente sonora composta mais uma vez por Akira Yamaoka. É um dos elementos mais importantes, que contribuem para a atmosfera do jogo. A combinação de melodias ambientais e dos efeitos sonoros criam uma sensação constante de medo e ansiedade, adaptando-se perfeitamente às emoções dos personagens e eventos que vivenciamos. Cada detalhe no som é colocado para ampliar a tensão quando vagueamos pelos ambientes distorcidos e sombrios de Silent Hill. O próprio voice acting superou as minhas expectativas, os atores foram muito bem escolhidos.
Silent Hill 2 Remake é definitivamente o melhor videojogo da Bloober Team e com certeza um dos remakes mais esperados dos fãs de terror. A sua narrativa brilhante, personagens memoráveis e atmosfera envolvente ressaltam ainda mais graças às novidades e visuais refinados. Esta recriação comprova que Silent Hill 2 em 2001 foi mais do que um simples jogo, mas sim uma profunda reflexão sobre a natureza humana e diversas questões psicológicas e emocionais que atualmente continuam a fazer sentido. É uma obra de arte que merece sem qualquer dúvida a qualidade constatável nesta nova roupagem para os dias de hoje.