Vivemos numa era curiosa, onde grandes sucessos regressam à ribalta e muitos destes até perderam o barco ocidental na época do seu lançamento. Monster World IV é um dos casos, recebendo originalmente o seu lançamento em 1994 para a SEGA Mega Drive. Este título, inserido na série Wonder Boy, não nos apresentou um rapaz como habitualmente, mas sim uma corajosa rapariga chamada Asha. Anos mais tarde e após alguns ports para consolas como a PlayStation 3, Nintendo Wii e até a SEGA Mega Drive Mini, a Monkey Craft e a G Choice decidem brindar-nos com um remake intitulado Wonder Boy: Asha in Monster World para introduzir esta grande aventura a uma maior faixa de jogadores.

O elemento cómico e contemporâneo de Wonder Boy: Asha in Monster World é sentido logo após iniciarmos o jogo. À boa velha maneira de Star Wars, somos apresentados a um texto narrado pela rainha Paprill XIII, que relata que numa “galáxia, muito, muito distante” existiu uma grande calamidade e um culto em redor desta. Contudo, esta religião pagã felizmente terminou com os esforços heroicos de… uma simples rapariga. Avançamos até à aldeia de Estafan, e somos apresentados a Asha, uma jovem de cabelos verdes, que após ouvir os apelos de ajuda dos espíritos, decide iniciar uma prova para se tornar numa guerreira. Para tal deve viajar e conquistar a torre do silêncio. No rescaldo deste sucesso, a jovem recebe uma estranha lâmpada mágica que, como não podia deixar de ser, alberga um génio no seu interior. Imediatamente o génio transporta a sua mestre para o mundo de Rapadagna para poder impedir que uma perturbante profecia se torne realidade. Conseguirá Asha e o seu fiel companheiro Pepelogoo azul, despertar os quatro grandes espíritos que foram capturados pelos feiticeiros do mal? A resposta apenas dependerá do jogador.

O efeito anime da velha guarda foi fielmente retratado em todos os momentos da aventura de Asha

Tal como na versão original no começo desta aventura o jogo faz um uso inteligente das suas mecânicas base, simplesmente porque não nos esfrega como executar ações simples tais como caminhar, golpear, saltar, etc., isto porque ao longo do percurso existem pequenas tabuletas que informam como realizar estas – desde as mais simples como saltar, a ligeiramente mais complexas como usar a espada de Asha como trampolim nos seus inimigos- e cabe ao jogador decidir executar as mesmas ou simplesmente seguir na sua missão. Contudo, para os padrões modernos, quer as ações de Asha, como o próprio jogo são registos demasiado limitados devido à sua própria herança. A jovem guerreira, não dispõe de muita variedade de ataques, apenas salta e disfere golpes de espada, quer seja em frente para cima ou para baixo. Os movimentos mais complexos no seu arsenal são ataques mágicos com a espada e usar a mesma como uma espécie de trampolim em sucessão num ou vários inimigos. Felizmente o seu companheiro azul, atribui-lhe novas mecânicas. A guerreira não tem dó nem piedade da criatura quando a atira para erupções de lava, obriga-a a soprar insinuantemente para movimentar jangadas ou atirá-la para condutas de ar frio que a transformam num cubo de gelo. Estes atos violentos além de permitirem a Asha, aceder a novas localizações, incrementam consideravelmente o seu reduzido arsenal de ações, pena que o jogo não fizesse um uso melhor destas mecânicas para introduzir puzzles mais variados do que simplesmente usar um determinado “item” numa certa localização.

Impossível não ouvir o jingle de The Legend of Zelda

A respeito de locais, mais uma vez a herança da SEGA Mega Drive emerge e não pelos melhores motivos. A aventura de Asha não é muito extensa, apenas visita pouco mais de meia dúzia de masmorras. Cada uma destas é temática a um elemento, e consoante a sua especificidade a masmorra rege-se inteiramente por parte deste. Contudo, as ações tornam-se repetitivas com o tempo, e o fator novidade que sentimos inicialmente esfuma-se passados uns breves minutos a deambular nos seus corredores. Mesmo com estas limitações e devido à sua origem Wonder Boy: Asha in Monster World, é uma aventura meticulosamente assente nos valores dos jogos The Legend of Zelda, mais clássicos. É impossível não assistir a diversos paralelos quando comparados com as aventuras da Nintendo, até mesmo pela forma como o jogo flui e é servido aos jogadores. À superfície quase todos os jogos da série Wonder Boy, são vistos como um jogo de ação e plataformas. Contudo, se analisarmos melhor, depressa descobrimos que estamos na presença de um action RPG, porque à semelhança dos anteriores, Asha também terá de participar em atividades primárias e secundárias para que a história e o seu próprio desenvolvimento fluam. A forma como o faz, também é bastante alusiva as já referenciadas aventuras do rapaz elfo da Nintendo. Para aumentar a sua quantidade saúde deve reunir 10 fragmentos para completar um coração, e muitas atividades secundárias são recompensadas com um destes fragmentos. Também e para a narrativa fluir, Asha tem de anteriormente equipar ou encontrar um determinado “item” para assim garantir o acesso a uma das masmorras em questão. Infelizmente não existem mapas-mundo no mundo dos monstros, pois este é simplesmente relegado à aldeia de Rapaganda.

O segundo aventureiro está a ponto de chegar

É neste ambiente que temos, um dos efeitos mais contemporâneos, estranhos e confusos de Wonder Boy: Asha in Monster World. Nesta localização temos três planos de fundo, que vão deste o mais longínquo ao mais próximo do ecrã. O jogo cria um efeito 3D muito artificial que dá a entender que Asha se pode deslocar a um beco estando de frente para este. No entanto, para o aceder, deve encontrar uma via de entrada noutra localização na aldeia para assim aceder ao local pretendido. Este efeito atinge dimensões ainda mais estranhas e contraproducentes quando temos de percorrer o mesmo quarteirão ficando muitas vezes com a saída mesmo à nossa frente. Este efeito é claramente uma representação da sua herança, e não encontramos quaisquer argumentos para justificar e implementar um elemento de 1994 com tanto rigor. Quanto à história propriamente dita acreditem que não é tão simplista e carinhosa como aparenta, com o progredir desta veremos como o duvidar de algo pode ser tão benéfico ao ponto de salvar vidas.

O Pepelogoo adquire novas habilidades consoante o número de Pepe Fruits que ingere

Tecnicamente, como não podia deixar de ser, esta nova encarnação de Asha é muito superior à sua versão de 1994. No entanto, quando comparado com os remakes mais recentes do rapaz maravilha, assistimos a algumas regressões. Convenhamos, os grafismos cellshading produzidos pela Monkey Craft estão bem animados e transmitem bastante carisma, mas quando comparados aos HD sprites desenhados à mão de Wonder Boy: The Dragon’s Trap são muito inferiores. Tal como no original não dispomos de uma banda-sonora muito vasta. A maioria das faixas musicais são variações do tema principal do jogo, que embora seja bom, acaba por cansar, e apenas os diálogos mais importantes apresentam vozes. Os restantes são grunhidos muito semelhantes aos que assistimos nos jogos da série The Legend of Zelda atuais, sendo que Asha é interpretada pela seiyuu Ai Farouz, a futura Jolyne Cujoh. Quanto à port para PC podemos dizer que cumpre essencialmente as suas funções. Não existem quaisquer opções gráficas, o único registo neste parágrafo é a possibilidade da alteração das resoluções do jogo. No entanto, uma opção para fixar fotogramas seria uma boa adição já que com quadros desbloqueados certas animações no nosso equipamento foram demasiado fugazes.

O próprio jogo assume o quanto confuso consegue ser

Em suma, Wonder Boy: Asha in Monster World, é uma aventura feita à imagem dos seus fãs, e um exemplo de como um remake moderno não deve seguir à risca o seu guião original, ao ponto de emular as suas próprias limitações. Felizmente os videojogos evoluíram, e o que funcionou em 1994, não quer dizer que funcione em 2021 da mesma forma. Contudo, por apresentar e debruçar-se em elementos e dinâmicas de action RPG clássicas, muito carisma, e revelar uma história que gradualmente se torna mais interessante, faz de Wonder Boy: Asha in Monster World, um jogo imprescindível para fãs da velha escola no melhor sentido da palavra.

Bruno Reis
Vindo de vários mundos e projetos, juntou-se à redação do Otakupt em 2020, pronto para informar todos os leitores com a sua experiência nas várias áreas da cultura alternativa. Assistiu de perto ao nascimento dos videojogos em Portugal até à sua atualidade, devora tudo o que seja japonês (menos a gastronomia), mas é também adepto de grandes histórias e personagens sejam essas produzidas em qualquer parte do globo terrestre.
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