Persona é possivelmente um dos títulos japoneses mais sonantes do género RPG. Parte desta reputação deve-se ao lançamento de Persona 5 que conquistou os jogadores não só pelo excelente enredo como também pelas inovações associadas ao novo estilo visual e mecânicas arrojadas. Dito isto, a produtora Atlus, com o que tem vindo a aprender e a melhorar na franquia, viajou até ao ano de 2006 para trazer de volta o clássico Persona 3 de cara lavada para PlayStation 4, Xbox One, PlayStation 5, Xbox Series, Xbox Game Pass e PC (Steam e Microsoft Store).

Este remake intitulado de Persona 3 Reload é basicamente uma recriação da experiência original, seguindo o mesmo enredo com um leque de novidades acrescidas à sua jogabilidade nas mecânicas sociais e de combate, juntamente com uma nova formulação visual que acrescenta ao jogo uma aparência mais revigorante e mais contemporânea. Porém, a protagonista feminina de Persona 3 Portable e o epílogo apresentado em Persona 3 FES foram excluídos desta edição atual. Sabemos que o mais provável é serem introduzidas no futuro em formato DLC, mas chega a ser um pouco frustrante já que esperávamos encontrar a versão definitiva de um jogo que recebeu várias edições, mas uma nunca tão convidativas quanto esta.

Ikutsuki apresentar a SEES

Para os jogadores que procuram um jogo maioritáriamente focado na narrativa, Persona 3 Reload é o ideal. Mais uma vez desempenhamos o papel de um jovem estudante japonês do ensino secundário que é transferido para uma nova escola no Porto de Tatsumi, uma ilha que se encontra atormentada por um fenómeno sobrenatural que afeta a mente da população local, deixando-os num estado de profunda apatia. No entanto, o nosso protagonista depois de descobrir as suas habilidades para invocar as Persona e de se perceber da existência da hora sombria, decide juntar-se ao Esquadrão Especializado de Execução Extracurricular (SEES), um grupo de estudantes com a mesma capacidade que lutam contra as Sombras e pretendem apurar os mistérios por detrás do surgimento de Tartarus.

Ao longo do ano letivo, vamos passar muito do nosso tempo a viver o quotidiano de um adolescente comum: acompanhar as aulas, conhecer novos personagens e conviver diariamente com os mesmos para fortalecer laços, participar em atividades extracurriculares e estudar para testes, bem como explorar os locais da ilha nos tempos livres, jogar arcadas, descontrair no Karaoke e outras atividades para melhorar as nossas aptidões. Com o tempo regido por um calendário, com o passar dos dias, a narrativa vai-se desenvolvendo naturalmente, seja na história principal relacionada com os eventos sombrios de Tartarus, bem como nas histórias “secundárias” que oferecem muitos dos melhores momentos do jogo.

O trio Strega

Apesar dos temas importantes que os seus sucessores abordaram, o enredo de Persona 3 Reload é o mais sombrio e ao mesmo tempo o mais humano desta franquia, abordando sem filtros a realidade e muitos dos seus dilemas manifestados em algumas das fases importantes das nossas vidas. Sem dúvida que vai ser nas pequenas narrativas, projetadas através dos personagens que vamos criar os ditos vínculos sociais onde sentimos as maiores emoções. Algumas certamente espelham situações que já sofremos ou acompanhamos de perto. Temos ainda um elenco de luxo composto por personagens memoráveis, que nesta versão foram agraciados com novas interações e eventos narrativos que para além de recompensadores aprofundam as personagens.

Durante os ciclos noturnos, o nosso objetivo principal passa por explorar Tartarus, uma torre gigante composta por mais de 200 pisos e inimigos. A Atlus para além de respeitar a história original, também foi fiel à estrutura e à imagem de Tartarus, o que pode trazer algum desagrado aos jogadores que se lançaram na série a partir de Persona 5. Ao contrário dos impressionantes Palácios, as torres de Tartarus ao fim de umas horas vão começar a ficar repetitivas, acabando por retirar um pouco de interesse à exploração. Outro problema que posso mencionar é a falta de variedade de inimigos que ocupam a masmorra e que esperava ter sido modificado neste remake.

No dormitório foram inseridas novas atividades onde podemos passar o tempo com os nossos colegas da SEES.

Mas, nem tudo é mau. Já que temos novas mudanças que equilibram parte dos problemas que ficaram por resolver. Começo pela adição de um botão que permite que exploremos a correr, ou a presença de inimigos raros e novos andares com criaturas mais fortes que entregam momentos desafiantes, além de maior experiência e excelentes recompensas. Inclusive, podemos selecionar um personagem para adiantar o trabalho no andar seguinte, o que ajuda a perdermos menos tempo a explorar e a descobrir os itens e baús espalhados pelas áreas.

Os comandos do combate

Dentro dos combates espera-nos o convencional RPG por turnos que segue à risca as bases táticas de Persona. Isto é, o sistema de fraquezas e resistências elementares que nos incentiva a analisar e a aproveitar as habilidades dos nossos personagens e Personas para descobrirmos os pontos fracos das sombras inimigas, não só para provocar mais dano como também para os deixar atordoados.

O combate de Persona 3 Reload foi igualmente refinado ao herdar os elementos dos jogos mais recentes da série. Para além de podermos controlar diretamente todas as personagens como em Persona 3 Portable, temos também ao dispor uma versão do Batton Pass (Persona 5) que permite que passemos a vez a um dos membros do grupo quando descobrimos a fraqueza de um inimigo, conferindo assim uma abordagem mais ampla no combate contra as sombras.

A nova habilidade Teurgia de Yukari Takeba

Contudo, a grande novidade passa pela introdução das habilidades chamadas Teurgia, um ataque especial que provoca danos massivos aos oponentes. Cada um dos personagens tem uma ao seu dispor, mas para as invocar precisam de seguir regras. Por exemplo, Junpei Iori para carregar a barra de energia de Teurgia precisa de acertar dano crítico, enquanto o Akihiko Sanada fará o mesmo quando utiliza uma habilidade de suporte em si mesmo. As recompensas no fim do combate também foram melhoradas com a instalação das cartas dos Arcanos Maiores, que conferem vantagens aliciantes enquanto navegamos por Tartarus, como recebermos o dobro do dinheiro, experiência ou um reforço no poder de ataque.

Todas as adições aqui faladas, são mais que bem-vindas neste remake. Em parte, porque o Persona 3 de 2006 é um produto do seu tempo, com a ausência de qualidades de vida que nos dias de hoje são fulcrais para atrair a atenção dos jogadores. O peso da exploração foi apaziguado e os confrontos ficaram mais grandiosos e divertidos. Ainda assim, aconselho a experimentarem esta jornada no modo difícil (Hard), porque alguns destes “facilitismos” sentem-se na ausência do desafio em jogo.

Hora Sombria “Tartarus”

Quanto à inovação gráfica, Persona 3 Reload sofreu uma mudança radical nos seus elementos visuais, desde das cutscenes à arte do jogo, passando pela interface dos menus aos cenários e modelos dos personagens. A equipa da Atlus consegue impressionar como de costume nestes parâmetros, demonstrando ser uma das produtoras mais criativas da indústria dos videojogos, transformando este título num conjunto visual que entrega muito mais do que jogabilidade, destacando-se pela sua singular aparência e interatividade. Apesar de toda a grandiosidade, não deixei de reparar que houve menos cuidado em alguns cenários do jogo, principalmente no interior do dormitório de Iwatodai que sofre pela falta de detalhe nas texturas.

Parte da equipa da P-Studio que trabalhou em Persona 5 Royal fez parte do desenvolvimento de Persona 3 Reload.

Por sua vez, durante os eventos somos acompanhados por uma banda sonora memorável que nos contagia com as suas novas músicas e temas originais com uma nova roupagem, influenciados no J-Pop, Hip-Hop e acid jazz do início dos anos 2000. Quanto às vozes, tanto em inglês como em japonês, continuamos a ter um elenco talentoso que acerta a dar vida e personalidade aos personagens, embora a versão inglesa conte com uma equipa de atores totalmente nova. Por último, embora com erros, a produtora esforçou-se para apresentar no jogo textos em Português do Brasil, o que certamente vai agradar aos fãs portugueses e brasileiros.

Depois de todas as edições lançadas, Persona 3 Reload é a versão mais aconselhável para o público. O resultado está à vista, temos um jogo com visuais atualizados e uma jogabilidade aperfeiçoada que dá uma nova vida a um clássico de culto e que acima de tudo consegue ser familiar sem perder a essência que o define. Apesar da ausência de conteúdo e de não ser fã da estrutura de Tartarus, existe uma banda sonora incrível e contagiante que acompanha uma das melhores narrativas da série. Persona 3 Reload é a entrada perfeita para novos jogadores e que recomendo especialmente para os fãs assíduos de Persona.

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