O género RPG é um dos mais moldáveis dentro do panorama dos videojogos. Além de servir uma história complexa também apresenta um grupo de personagens icónicas escolhidas a dedo pelos deuses para salvar um mundo fantástico à beira da extinção. No entanto, em 1997, o jovem Shinichi Yoshiike teve a ousadia de presentear no Japão uma aventura bem diferente… mesmo para a sua época. Isto porque o mundo vivia na alçada das “Heroic Fantasies”, um subgénero -mais tarde evoluiu para o Isekai- que se popularizou especialmente no Japão devido a séries anime como Slayers, Lost Universe ou El Hazard e ao boom de RPGs japoneses tais como WILD ARMS ou Breath of Fire III que emergiram com o lançamento da PlayStation. Nestas realidades um grupo de heróis de capa e espada reunidos pelo destino parte numa viagem para derrotar um grande mal que ressuscitou e planeia destruir um mundo -geralmente- medieval.

No entanto, Yoshiike sentiu que salvar o mundo poderia ser uma tarefa demasiado dantesca para uma jovem estudante académica e decidiu criar uma aventura onde o mote fosse a criação, a experimentação e o colecionismo.

O primeiro Atelier abriu as suas portas no auge das “heroic fantasies” e esse efeito foi notório no design de personagens

Foi em maio de 1997 que Atelier Marie: The Alchemist of Salburg viu a luz do dia no Japão. Este foi originalmente lançado para a PlayStation, pouco tempo depois recebeu versões para a SEGA Saturn e para o Game Boy Color, mas infelizmente nenhuma saiu do seu país de origem, aliás os primeiros jogos a chegar ao velho continente foram os três jogos da série Atelier Iris. Em vez de nos apresentar um mundo à beira da extinção transportou-nos para uma pequena cidade que vive em paz, e onde os seus habitantes trabalham e têm vidas quotidianas comuns. Os valorosos heróis também não habitam no mesmo, aqui o foco principal são as aventuras de uma estudante desmiolada que em vez de reunir uma espada lendária para confrontar um Rei Demónio deve colecionar conchas e búzios para fabricar uma poção mágica.

Todo este interessante reverso se deve essencialmente ao seu próprio criador porque desde muito cedo quis produzir um jogo inspirado na sua vida académica e pelo seu interesse em livros infantis que foram oferecidos pelos seus pais na sua infância. Embora os jogos da série Atelier já contem com mais de 20 títulos, apenas se popularizaram no mundo com a chegada a trilogia “Secret” protagonizada pela vibrante alquimista Reisalin Stout, ou Ryza para os amigos, sendo que nesta temporada anime de Verão vamos seguir de perto os eventos do primeiro jogo.

Salvar o mundo? Nah, deixa lá antes criar uma garrafa de Água das Pedras

Conheçam Marie, uma jovem aprendiza de alquimia que estuda na academia da cidade de Salburg. Infelizmente, o seu talento não é o mais apurado, no passado teve tantas experiências falhadas que a colocaram nos últimos lugares da tabela classificativa da sua escola e foi considerada um caso perdido por todos. No entanto, a sua professora, Ingrid, decide dar-lhe uma última oportunidade, ao oferecer-lhe o seu próprio Atelier, com o qual terá de demonstrar o seu progresso ao longo dos próximos cinco anos para se graduar com distinção, em troca da criação de um objeto de alta qualidade que demonstre o seu progresso. É com esta simples -mas eficaz- premissa que os jogadores começam a pequena grande aventura da Marie. Tal como os outros jogos da série também vamos ter que adquirir materiais e desenvolver conhecimentos através das diferentes receitas de alquimia que vamos adquirindo ao longo da sua viagem.

Finalmente um jogo relacionável com o nosso percurso académico

É precisamente logo a iniciar o jogo que temos a primeira grande mudança neste remake. Antes de abrirem as portas do Atelier de Salburg os jogadores têm de escolher se querem jogar ao jogo com um limite de tempo de cinco anos ou jogar no modo ilimitado para uma experiência mais relaxante e consequentemente mais próxima dos jogos mais recentes da série. Enquanto o Modo Normal é tirado a papel químico do jogo original onde jogamos com um limite de tempo de cinco anos, no Modo Ilimitado, podemos continuar a jogar após acabarem os cinco anos e decidirmos quando a aventura acaba.

Esta é vossa primeira grande decisão nestes 5 anos

De salientar que todas as ações que fazemos no modo normal contam. Se os jogadores saírem do Atelier para ir à cidade de Salburg demora um dia. Viajar para outras zonas para obtermos ingredientes pode demorar vários dias dependendo da distância, participar em batalhas também “custa” um dia e sintetizar objetos também tem o seu custo de tempo. O jogo refere que alguns eventos no Modo Ilimitado não vão estar disponíveis, contudo, não específica quais. Mesmo que estejamos na presença de um remake certas mecânicas permanecem inalteráveis. Uma destas é a recolha de informações junto de NPCs para descobrir novos locais no mapa onde vamos recolher novos materiais para desenvolver produtos mais requintados e poderosos. Tal como na nossa realidade os cafés e bares são os locais perfeitos para ouvirmos todo o tipo de burburinhos e rumores. Nestes Marie também pode recrutar aventureiros em troca de uma taxa pelos seus serviços, entregar produtos ao proprietário do bar em troca de dinheiro e até pagar uma pequena quantia de moedas para ouvir os mais recentes rumores e burburinhos vindos do Dio, o proprietário do estabelecimento.

Pensavas que ias encontrar um simples proprietário de um bar!? Mas não, aqui estou eu o Dio! WEEEEEE!!!

Como Atelier Marie Remake: The Alchemist of Salburg é canonicamente o primeiro jogo desta longa série, as mecânicas de alquimia são muito mais breves e simples, por exemplo, para produzirmos um produto não é necessário desbloqueá-lo numa skill tree ou recorrer a uma ferramenta para o adquirir, isto porque ao contrário da trilogia “Secret” Marie apenas vai ter de adquirir uma fórmula e estar em posse dos materiais necessários para o produzir. De salientar que ao criar objetos a aspirante a alquimista também recebe conhecimentos e experiência para aumentar o seu nível, no entanto é preciso ficarmos vigilantes ao aumento da sua barra de fadiga e MP. Cada produto também tem uma probabilidade de sucesso para ser gerado daí que recomendo comprarem itens tais como pipetas, moinhos ou balanças na academia para aumentarem a vossa probabilidade de sucesso.

A recolha de itens é simples e não exige a criação de ferramentas para a colheita

Tal como em qualquer jogo da série para adquirir novos materiais os jogadores devem abrir as portas do seu atelier. Para os jogadores recém-chegados a primeira grande diferença é que a viagem do ponto A ao B é feita através de um mapa mundo semelhante aos apresentados na década de 90 em jogos como Super Mario Bros. 3, Donkey Kong Country ou Land of Illusion: Starring Mickey Mouse, e novas zonas vão ser adicionadas mediante os rumores que vamos ouvimos no bar. Ocasionalmente Marie também se vai deparar com diversos minijogos um pouco estranhos mais significativos no contexto de jogo. Felizmente estas são as únicas diferenças que separam a experiência entre os jogos clássicos e modernos, na verdade a produção da Gust conseguiu criar um jogo que apela a um público mais moderno. Em cada zona existem diversos materiais para adquirir, estes também mudam consoante a estação do ano, por exemplo alguns materiais apenas vão estar disponíveis no inverno ou no verão. A recolha pode ser feita de duas formas, ao conduzir Marie até os pontos brilhantes do mapa ou através de um processo automatizado onde não só adquire todos os materiais da zona como também enfrenta os inimigos circundantes em batalhas.

Vamos poder participar em diversos minijogos

O combate é gerado por turnos com a adição de ligeiras opções na “Ui” para a aproximar dos jogos da série Ryza. Ordem dos turnos e ações atribuídas a cada um dos botões do comando são dois dos elementos que viajaram do futuro para o passado para criar um sistema de turnos clássico com mais opções e diversão. Um efeito que também foi resgatado de outros episódios da série foram as relações entre personagens. Se lutarmos continuamente com as mesmas personagens no nosso grupo, a sua relação fica mais estreita e permite não só que sejam recrutadas com um menor custo como temos a possibilidade de assistirmos a eventos específicos. Felizmente como esta é uma aventura que não consome muitas horas, podemos focar-nos num trio de aventureiros de cada vez, o jogo até incentiva a jogarmos várias vezes em sucessão.

As novas batalhas de Marie herdam imenso dos jogos de Ryza

Outro elemento que certamente vai agradar os jogadores são os seus requisitos. Como estamos perante uma aventura simples quer em desenvolvimentos como em requisitos, a maioria das builds vai poder desfrutar da mesma sem grandes inconiventes. A maioria das opções gráficas são bem comuns às que costumamos encontrar em ports de jogos de consolas da KOEI Tecmo para o PC. No menu de opções gráficas podemos escolher resoluções até 4K com limites de fotogramas de 30, 144 e V-sync, o jogo também permite fotogramas desbloqueados para quem possuir monitores para tal. Nas opções gráficas também é possível modificar a qualidade das texturas, sombras, reflexos, efeitos, filtros de anti-alisamento, profundidade de campo, oclusão ambiental, bloom, raios de sol, e densidade da relva. Como seria de esperar na nossa build composta por um processador AMD Ryzen 9 5950X, placa gráfica NVIDIA GeForce RTX 4090 MSI Suprim X e 64 GB RAM a 3600 MHz, o jogo raramente oscilou dos 120 fotogramas por segundo, acredito que só mesmo entre transições e carregamentos é que desceu, mas imediatamente subiu para os projetados 120 fotogramas por segundo assim que Marie surgiu em cena. Contudo, quando passamos a aventura para o atelier da Steam Deck, o panorama já não foi tão animador. Nesta altura Atelier Marie Remake: The Alchemist of Salburg apenas pode ser desfrutado na máquina da Valve se utilizarem o Proton GE 8-6, isto porque tal como em Atelier Ryza 3: Alchemist of the End & the Secret Key o jogo tem inúmeras inconsistências de áudio e desempenho e só com o recurso de uma versão modificada do Proton pode ser desfrutado quase a 60 fotogramas por segundo com ligeiras modificações nas opções.

“Parabains”

Felizmente quando abrimos as portas da ROG Ally, o panorama é bem mais positivo. O jogo pode ser executado sem nenhuns constrangimentos entre 30 a 70 fotogramas por segundo com todas as opções ao máximo exceto bloom e profundidade de campo num modo personalizado a 25w. Em ambas as portáteis e outros dispositivos recomendo desativarem estes dois elementos gráficos visto que consomem imensos recursos pós-processamento e ainda requerem algumas otimizações. Quanto aos visuais propriamente ditos acredito que vão ser um fator que vai separar muitas águas. Tenho a completa noção que o aspeto de Pinypon nas personagens e dos biomas não vai agradar a algumas pessoas, principalmente às que estão habituadas à trilogia “Secret” e a outros jogos modernos, claro que não nos podemos esquecer que este é um remake que retira a maioria dos elementos visuais do jogo original de 1997.

Outro efeito deveras interessante e que julgo que todos os remasters e remakes deviam incluir é a inclusão da banda sonora original do jogo. Através do menu e numa questão de segundos podemos desfrutar do jogo com todas as melodias do jogo original de 1997. Não tenho nada apontar sobre a nova banda sonora, mas preferi muito mais a original talvez por valores nostálgicos, os trompetes e baixos são bastante reminiscentes da era dos 32 bits e julgo que assentam mais numa aventura despreocupada sem grandes desenvolvimentos. O jogo apenas possui o áudio original japonês e textos em inglês.

Atelier Marie Remake: The Alchemist of Salburg é essencialmente uma aventura que honra 25 anos de inúmeras personagens, aventuras e fórmulas de alquimia. Para os recém-chegados a este atelier este é o jogo perfeito para iniciarem o vosso percurso porque tudo é muito mais simples e imediato. O mesmo também não esqueceu os seus maiores fãs e adiciona à sua equação diversos elementos clássicos que geralmente não fazem transição do passado para o presente. Contudo, a sua duração e aspeto visual podem afastar algum do seu público. Se sempre desejaram conhecer as origens de uma série de jogos que foi e continua a ser vanguardista não percam esta grande viagem, pois não só vão descobrir uma aventura de verão que ficou confinada no seu pais de origem, como também vão descobrir as origens de uma fórmula que há mais de duas décadas se reinventa jogo após jogo. 

Subscreve
Notify of
guest

0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments