Monster Hunter foi uma série de jogos que criou o seu próprio género na indústria e por várias décadas muitos tentaram assaltar o seu trono, sem sucesso. Num momento onde o Mundo espera pela inevitável continuação de Monster Hunter World, a EA Originals e a Koei Tecmo uniram-se para criar a sua versão do simulador de caça monstros.

No passado a EA Originals apenas se aliou a projetos indies, mas com uma indústria de videojogos em constante evolução, sentiu que estava na hora de passar ao nível seguinte. Como a Koei Tecmo e a Omega Force desejavam criar um título nesta vertente com uma narrativa mais complexa, mas necessitavam de encontrar uma editora para tal, o ocidente uniu-se ao oriente durante quase meia década para a produzir e servir novas caçadas aos jogadores na forma de Wild Hearts.

Por muito estranho que vos possa parecer sentimos que Wild Hearts é um jogo muito diferente de qualquer um da célebre série da Capcom, isto devido à sua projeção e filosofias. Wild Hearts retrata com muita personalidade e humanidade a natureza, apresentando uma filosofia de caça bem diferente ao retratá-la de uma forma muito mais natural e espontânea. A violência não é a única via em Wild Hearts, aliás os Kemono (criaturas do folclore japonês) fundiram-se com a própria natureza. Porém, por razões ainda por apurar tornaram-se extremamente territoriais. Este elemento é demonstrando em várias instâncias o jogo, na verdade, o jogo abre com a perseguição de um alce kemono indefeso numa floresta.

Neste início humilde que atua como tutorial, o jogador decide se o vai caçar ou deixar viver. Imediatamente sentimos um apelo bem diferente em jogos deste género, visto que nem todas as criaturas representam ameaça neste belo e natural mundo. Estas coabitam com os humanos e surgem de várias formas raças e tamanhos. Os materiais publicitários e trailers do jogo deram uma ideia de que os Kemono apenas seriam criaturas de enormes dimensões, contudo, enquanto o jogador deambula por este vasto mundo vai interagir com ratos, esquilos, ouriços, águias, lagartos, sapos, lobos e tigres de todos os tamanhos e feitios. De salientar que os maiores têm impacto no cenário e no ambiente enquanto os enfrentamos.

Estes povoam as terras de Azuma, uma localização fictícia composta por 4 grandes áreas inspiradas no Japão do século XVI que vive atormentada por estas criaturas. O jogador no papel de um samurai -criado através de um interessante editor de personagens- não vai recorrer apenas a armas brancas para as derrotar, isto porque recebe o dom de um eremita de criar poderosos engenhos para o auxiliar tanto no combate como no aprisionamento destas criaturas. É precisamente aqui que encontramos a primeira grande diferença do jogo comparativamente a Monster Hunter.

Sem reservas podemos afirmar que o que separa Wild Hearts de qualquer outra experiência jogável desta natureza são os Karakuri, poderosas invenções que permitem aos jogadores montar armadilhas ou estruturas para os ajudar nas suas caçadas. Estas também prestam assistência dentro e fora das batalhas.

Uma das mais importante é uma espécie de estrutura criada com blocos com um trampolim no topo para permitir alcançar kemono gigantes ou realizar ataques picados devastadores. Ao recorrer a esta mecânica, os jogadores também podem fabricar bombas ou escudos. Porém, apenas poderão carregar no máximo quatro de cada vez, sendo que cada uma fica associada a um botão ou tecla. Antes de serem colocadas no terreno deverão premir o botão LB para aceder ao modo de criação das mesmas, isto na configuração base do jogo.

Claro que cada exige diversos materiais e alguns destes apenas podem ser obtidos através dos próprios Kemono quando são destruídas certas partes dos seus corpos. Contudo é preciso ter cautela porque os Kemono vão sentir-se ameaçados e serão extremamente agressivos nas fases mais avançadas de uma luta. Alguns confrontos foram de tal forma intensos que nos recordaram o célebre momento contra o gorila de Sekiro: Shadows Die Twice. Antes de os Kemono serem eliminados os jogadores podem realizar uma cadeia de golpes, uma recompensa extremamente satisfatória após um duro confronto. Também existem Karakuris de suporte que permitem o fabrico de armas ou cozinhar nos acampamentos.

Os jogadores podem forjar diversos tipos de armas como bastões, canhões, espadas, arcos e martelos. Como não podia deixar de ser, cada uma destas armas abrange uma demografia de jogadores e possui uma cadência de ataque diferente. Aqui encontramos um grave problema no jogo, de momento não é possível cancelar ataques ou animações. Cada vez que realizamos um ataque temos de assistir a todas as animações da nossa personagem. Este efeito foi extremamente prejudicial em vários confrontos contra os Kemono mais velozes ou quando entravam no seu estado enraivecido. Realmente é uma pena porque a nossa personagem dispõe de vários movimentos e até posturas de combate bastante interessantes. De salientar que quer o desenvolvimento dos Karakuris como o da nossa personagem é feito através dos Dragon Pits ou de esferas que recolhemos dos Kemono. Também é possível voltar a enfrentar as criaturas posteriormente se assim o desejarmos.

Como já devem ter percebido, os Karakuris não só são o principal elemento de Wild Hearts, como também dão ao jogo uma identidade própria dentro deste subgénero. Sentimos que este é um sistema com várias possibilidades.

Wild Hearts inicialmente é um pouco limitado e gradualmente expande-se através da aldeia Minato, um sítio que atua como base de operações para os caçadores. Ao contrário de Monster Hunter, aqui a narrativa dá cartas e o fluxo de jogo flui com menos missões de “recados”.  Claro que não vão faltar NPC’s para interagir e enriquecer a história deste belo mundo.

O jogo dá a entender que é aberto, mas não é, isto porque as regiões encontram-se separadas por outras mais pequenas entre carregamentos. Contudo, o jogador pode explorar qualquer uma de diversas formas, seja a correr, esconder-se na vegetação para evitar confrontos, utilizar atalhos e até escalar superfícies de uma forma muito semelhante às que vimos em The Legend of Zelda Breath of the Wild, aliás podemos escalar os Kemono da mesma forma para atingir os seus pontos fracos. Tal como na aclamada aventura de Link cada uma destas ações consome stamina, uma característica que por si só evita button mashing e obriga os jogadores a tomarem decisões de combate mais metódicas.

Claro que toda a experiência deve ser melhor se os jogadores caçarem em grupo. Infelizmente não nos foi possível testarmos este modo nesta fase, mas acreditamos que não deve fugir aos moldes já estabelecidos pelo simulador de caça da Capcom. O que podemos dizer é que os jogadores poderão participar em grupos de três para explorarem Azuma e confrontarem os Kemono. O jogo também vai suportar crossplay entre os sistemas PlayStation 5, Xbox Series e PC.

Ao contrário de inúmeros títulos na indústria, Wild Hearts não recorre a um motor de jogo de terceiros tal como o Unreal Engine 4. O mundo de Azuma foi desenvolvido através de um motor de jogo proprietário para esse efeito, o Katana Engine. Ao contrário dos jogos Monster Hunter, este não é um título cross-gen, o mesmo foi desenvolvido para usar os recursos da nova geração de consolas.

Talvez por influência da Electronic Arts, encontramos em Wild Hearts um conjunto de opções gráficas pouco comuns em jogos produzidos por empresas japonesas. Além das habituais, ou seja, suporte até resoluções 4K, formatos de ecrã e opções de V-Sync, o jogo também possui uma panóplia de outras opções visuais, muitas destas a fazer a sua estreia em lançamentos da Koei Tecmo. Todas podem ser acedidas através de um separador dedicado nas opções que conta também com diversos presets adequados para as builds base de cada jogador. Claro que os jogadores podem modificá-las para desfrutarem ainda mais da sua experiência.

Os jogadores podem escolher o nível das texturas, qualidade dos modelos, filtragem de texturas, efeito nas partículas, densidade percentual, detalhes nas sombras, reflexos, iluminação global, nevoeiro, oclusão ambiental, campo de visão, técnicas de antialisamento (FXAA-TAA) e intensidade de motion blur. Infelizmente o jogo de momento não tem suporte às tecnologias de upsampling atuais, nomeadamente a AMD FSR 2.1, NVIDIA DLSS 2.4/3.1 e Intel XeSS. Em alternativa o jogo vai baixar as resoluções dinamicamente para garantir que o jogo é executado a uma taxa estabelecida de fotogramas pelo jogador. Infelizmente, este elemento acabou por ser contraproducente, visto que o jogo ficou com um efeito demasiado nublado no nosso equipamento portátil Legion 5 Pro equipado com um processador AMD Ryzen 7 5800H, chipset gráfico NVIDIA Geforce RTX 3070 a 140w e 16 GB RAM – quando barrámos o jogo a 60 fotogramas por segundo com todos os elementos visuais ao máximo em resoluções 4K no nosso televisor 4K Samsung Q95t. Contudo, quando baixamos o nível de detalhe dos reflexos, sombras, nuvens e retiramos por completo os efeitos de motion blur, tudo ficou com mais detalhe e nitidez. Por isso e para já, julgamos que existe ainda alguma otimização a fazer nos departamentos do nevoeiro volumétrico e efeitos de iluminação como o bloom. O jogo também recebe ligeiras quebras de fotogramas quando chegamos a uma nova localização por necessitar de compilar shaders na VRAM constantemente, mais uma otimização que deve ser implementada numa atualização posterior.

Felizmente na nossa configuração de secretária, ou seja, num computador equipado com um processador AMD Ryzen 9 5950X, placa gráfica NVIDIA GeForce RTX 4090 MSI Suprim X e 64 GB RAM a 3600 MHz, o jogo foi executado sem quaisquer compromissos. Como este é um título desenvolvido para a próxima geração de consolas o seu aspeto visual é muitíssimo superior ao que encontramos no mais recente episodio de Monster Hunter Rise. A KOEI Tecmo pincelou Azuma com paisagens de uma beleza natural incrível. Destacamos as florestas densas, riachos com sakuras e superfícies geladas onde a própria neve até permanece no corpo da nossa personagem.

Para já não nos foi possível desfrutar desta grande aventura na Steam Deck porque analisamos a versão Wild Hearts da EA App e no Heroic Games Launcher ou até na GOG Galaxy no PC, o jogo não pode ser executado porque oficialmente não recebeu lançamento na altura da escrita deste texto.

O cômputo sonoro partilha um misto de opções de som e acessibilidade. Não nos recordamos de um jogo que narre menus, ou o que cada objeto faz nos mesmos. O que é dito pelos jogadores pode também ser passado para texto e consequentemente executado. Contudo, para acedermos a estas opções temos de colocar o áudio do jogo em inglês. Além deste idioma os jogadores também podem escutar os habitantes de Azuma a falarem em francês, italiano, alemão, espanhol e japonês e lerem os textos em 12 idiomas onde felizmente consta o português do Brasil para os nossos leitores da américa do sul. Na redação decidimos explorar Azuma e confrontar os seus kemono com áudio em japonês e textos em inglês para sentir mais autenticidade nas suas faixas musicais que deambulam entre o épico e o tradicional japonês.

Wild Hearts é um jogo que partilha um misto de contemporâneo e novidade. Embora o seu fluxo de jogo seja muito semelhante aos jogos da série Monster Hunter, as suas ações, visuais e filosofias distanciam-no completamente deste. Estamos na presença de um título que honra a natureza mais do que qualquer outro do seu género, mas que necessitava de mais tempo e polimento para alcançar melhores voos, mas numa altura onde o mundo vive na expetativa de um novo simulador de caça monstros, Wild Hearts é uma experiência muitíssimo bem-vinda. Estaremos diante de uma futura série de sucesso? Apenas o tempo o dirá, para já possui fortes fundações para dar esse passo.

Bruno Reis
Vindo de vários mundos e projetos, juntou-se à redação do Otakupt em 2020, pronto para informar todos os leitores com a sua experiência nas várias áreas da cultura alternativa. Assistiu de perto ao nascimento dos videojogos em Portugal até à sua atualidade, devora tudo o que seja japonês (menos a gastronomia), mas é também adepto de grandes histórias e personagens sejam essas produzidas em qualquer parte do globo terrestre.
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