Em 2018 a Square Enix surpreendeu os jogadores com uma homenagem aos JRPG clássicos de outrora surgindo com o estilo visual designado de HD-2D, que pode ser contemplado em Octopath Traveler. Graças ao seu sucesso e da incrível receção dos entusiastas pelo género, a Team Asano, produtores de Bravely Default, tomaram a decisão de continuar a navegar sob esta fórmula, decidindo em 2021 apresentar a criação de um novo RPG tático que nos remete de imediato às clássicas obras Final Fantasy Tactics e Tactics Ogre.

Estamos a falar de Triangle Strategy, a mais recente aposta da Artdink a juntar-se à nova linha de RPGs tradicionais da Square Enix que chegou à Nintendo Switch a 4 de Março de 2022.

Triangle Strategy acontece no continente ficcional de Norselia, uma terra vasta e preciosa, onde há 30 anos aconteceu a “Guerra de Saltiron”, causada por três poderosas nações, Aesfrost, Glenbrook e Hyzante que lutavam entre si pelos escassos recursos de sal e ferro. As constantes disputas cessaram quando as tréguas foram conseguidas e durante os anos que se seguiram, o continente desfrutou de um período de paz.

Já no presente, o jogo segue Serenoa Wolffort, o herdeiro da casa Wollfort e protagonista deste conto, que destinado a casar-se com a Princesa Frederica Aesfrost com o intuito de reforçar os lados entre ambas as regiões, vê este acordo comprometido por um golpe de estado que de imediato quebra a paz volátil entre as nações.

Sem querer desvendar muito da história, esta vai gradualmente revelando a sua qualidade. Interesses políticos e económicos, escravatura, discriminação, religião, corrupção e traição são alguns dos temas abordados marcando uma forte presença na construção do mundo de Triangle Strategy. É fácil ficarmos imersos nos conflitos e dilemas que as nações apresentam, levando-nos a recordar o panorama medieval, sombrio e político de Game of Thrones. No início, os primeiros capítulos são fundamentais para introduzir grande parte dos personagens centrais que vão ficando ainda mais marcantes com a progressão, sobretudo a família Glenbrook e os membros do Estado Sagrado de Hyzante e da família Aesfrost.

Com foco acentuado na história, parte da narrativa é apresentada por uma narradora omnipresente e por diversos diálogos entre os personagens. Na nossa aventura, as escolhas difíceis que o jogo nos leva a tomar têm um papel importante para moldar o percurso de toda história. Estas escolhas suportadas pela moralidade, pragmatismo e liberdade, para além de abrirem caminhos novos, também constroem a personalidade do nosso herói, incluindo os aliados que vamos conhecendo e que se vão juntando à nossa causa. Os nossos principais companheiros, em alguns capítulos da história são importantes para promover o desenvolvimento do enredo. Durante estas convocações teremos de recorrer à persuasão do herói e apresentar o seu ponto de vista, para que a balança incline a seu favor e leve os companheiros a votar no caminho que pretendemos seguir, o que nem sempre pode acontecer.

A balança na mitologia representa o símbolo da justiça, da prudência e do equilíbrio, sendo que tem a função de medir e de pesar os atos dos homens, tanto na vida terrena como na espiritual

Durante estes eventos percebi que o enredo por poucas vezes foi específico com o que nos aguarda por trás das consequências das escolhas que decidimos seguir. Muitas das vezes somos surpreendidos com determinados caminhos onde os aliados questionam os princípios do protagonista como líder, sobretudo quando as negociações comprometem o bem-estar da nação ou quando envolve trair um companheiro. Em parte, estas dificuldades ensinam-nos a analisar com atenção as escolhas e respostas que temos em aberto, sempre com aquela vertente estratégica ligada do princípio ao fim. A produtora não só deseja contar uma história, mas de igual forma procura envolver emocionalmente e instintivamente o jogador com a narrativa. Esta obra revela a qualidade da Square Enix em construir um universo altamente possível no que toca a realismo político.

Quanto ao mapa-mundo, para além das missões principais, estão presentes as histórias secundárias que serão necessárias para aprofundar a perspetiva do elenco de cada nação quanto ao desenvolvimento dos eventos e temos as histórias dos personagens onde conhecemos os futuros aliados. Quanto às áreas de exploração, Serenoa poderá investigar livremente os pequenos ambientes que visita. Nestes locais pode encontrar itens úteis para o combate, notas com informações relevantes sobre o Continente e inclusive pode interagir com os personagens presentes. Estas interações em alguns casos fornecem dados necessários que desbloqueiam novas respostas em futuras conversas que podem mudar o rumo da história.

Para os jogadores familiarizados com os RPG táticos, o sistema de combate será simples de compreender. Como mencionei acima, Triangle Strategy retira elementos de jogos como Final Fantasy Tactics e Tactics Ogre, uma vez que a estratégia é elementar e o jogador forma grupos de personagens que são movidos num mapa em tempo real. Cada personagem possui a sua própria classe, cada uma com os seus prós e contras, com habilidades e qualidades que devemos ter em conta. Do mesmo modo, definir uma abordagem e analisar o campo antes de entrarmos em batalha é essencial para escolhermos uma equipa equilibrada e sairmos vitoriosos. Temos por exemplo classes focadas na magia que são úteis para atacar múltiplos adversários, arqueiros que podem usufruir da verticalidade para atacar de locais altos e personagens capazes de aumentar as estatísticas dos seus aliados. Já outros, destacam-se pela poderosa ofensiva e defensiva e pela capacidade de agir duas vezes no mesmo turno.

Parte do ambiente tem ainda as suas próprias características que podem ser aplicadas a nosso favor. Aqui, a magia tem um grande destaque. Para além de se fortalecer com o clima, o ataque de fogo consegue incendiar estruturas de madeira e ferir os inimigos que passam por elas, a eletricidade em terrenos molhados eletrocuta os inimigos na proximidade, enquanto o gelo reduz a velocidade das unidades. Além disso, vale a pena mencionar que o posicionamento dos nossos guerreiros é importante para executarem ataques incisivos nos adversários. Como por exemplo, se tivermos dois personagens colocados em lados opostos de um adversário, atacaremos a unidade de ambos os lados durante o mesmo turno, e isto sucede do mesmo modo em ataque por trás ou acima dos adversários.

Claro que o exército inimigo poderá do mesmo modo tirar proveito destas mesmas mecânicas disponíveis, tirando partido das fraquezas dos nossos personagens. Por essa razão, todas as mecânicas que indicamos e também outras que vos deixo para descobrir, trazem uma criatividade complexa na altura de derrotar o adversário, dado que em muitas condições, o plano que executamos mentalmente poderá ter de ser reformulado, o que faz a jogabilidade mais interessante no que diz respeito ao grau de exigência do jogo.

Por fim, mas não menos importante, esperava mais da personalização dos personagens. É lamentável não haver acesso a armas e armaduras durante a demanda, com exceção de acessórios. Todavia, ainda dentro da simplicidade, podemos melhorar o rank da arma e promover a classe dos personagens, sendo que para isso são exigidos certos recursos que têm de ser comprados ou adquiridos através das batalhas. Apesar disso, a escassez de recursos dificulta as escolhas e teremos de escolher bem os personagens que desejamos desenvolver.

Tecnicamente, Triangle Strategy é uma bonita viagem ao passado como tivemos a oportunidade de experimentar em Octopah Traveler. A mistura de elementos 3D de alta definição com pixel art acrescenta aos ambientes pormenores espantosos de contemplar. Vemos detalhes minuciosos sobretudo em cenários com mais elementos – dentro das casas, castelos ou mesmo nos mais naturais. A presença do trabalho ilustrativo do artista Naoki Ikushima é outro ponto a favor neste campo. O retrato dos personagens tem um traço expressivo e sofisticado, que vai de encontro ao estilo inconfundível de Yoshitaka Amano.

A banda sonora não fica à sombra dos visuais de Triangle Strategy. As melodias orquestradas para além de se evidenciarem pela qualidade da composição pelo premiado Akira Senju, captam na íntegra a seriedade do conflito que os jogadores vivenciam durante o jogo. Em paralelo, temos os diálogos, no meu caso em japonês, que acrescentam expressividade que se sente em falta nos rostos dos personagens.

Akira Senju é conhecido por trabalhar na banda sonora dos animes Mobile Suit Victory Gundam, Fullmetal Alchemist: Brotherhood e Tales of Vesperia: The First Strike

A Team Asano cumpre com excelência ao entregar uma história com tom mais maduro e realista como se desejava. É uma obra que põe o futuro de um reino nas nossas mãos, e que nos envolve intimamente nas decisões de cada evento, apesar de apresentar dualidade na forma como é exposta, o que pode afastar os novatos. A variedade de personagens e as camadas estratégicas que cada um representa, tornam cada batalha especial e divertida. Sem esquecer que este título marca o retorno do legado visual de Octopath Traveler com a mesma magia. Triangle Strategy é uma aventura que honra a era dourada dos SRPG japoneses que recomendo vivamente aos seus fãs.

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